Outra constatação interessante que os conceitos tradicionais sobre manutenção de relação ainda persistem em alta: conhecimento mútuo, dedicar tempo para a relação, fazer sexo, manter o amor companheiro, conversar com o outro e respeitar a individualidade. A seguir transcrevemos alguns trechos da reportagem.
O casamento. A boda. O matrimônio. O que essas palavras evocam são imagens tocantes e cenas de festa. Uma noiva sorrindo à beira de um lago, radiante em seu vestido branco de cetim que, embora ela não saiba, foi usado pela primeira vez pela rainha Vitória, da Inglaterra, em seu casamento com o príncipe Albert, em 1840. De lá para cá, as noivas no Ocidente vestem branco. E são rainhas por um dia.
Mas o casamento, a boda, o matrimônio – e mesmo a forma
laica e informal de compromisso, a coabitação –, não se resume a uma festa.
Depois da noite de núpcias, começa, para todos os casais, aquilo que o Psiquiatra
Alfredo Simonetti, ligado ao Hospital das Clínicas de São Paulo, descreve como “o
sofrimento de viver a dois”: uma luta diária contra a natureza humana, que, ao
mesmo tempo que atrai as pessoas para a vida conjugal, faz com que elas,
rapidamente, se desapontem com as dificuldades do cotidiano a dois.
As estatísticas brasileiras são eloquentes a respeito tanto
do fascínio quanto das agruras do casamento. Cerca de 1 milhão de pessoas se
casam todos os anos no Brasil – e pouco mais de 250 mil se separam no mesmo
período. Logo, de cada quatro casamentos, um termina em separação. Embora a
estatística seja adversa, o risco não é suficiente para fazer as pessoas deixar
de casar. Os números do IBGE mostram que a quantidade de uniões por 100 mil
brasileiros aumenta um bocadinho a cada ano.
Entre 1998 e 2008, o número de casamentos cresceu 34,8%, superando em 13 pontos porcentuais o crescimento vegetativo da população nessa faixa etária. Os divórcios e as separações, no mesmo período de dez anos, cresceram menos, 33%. A diferença é pouca, mínima na verdade, mas sugere que o sonho de casar está mais em alta que a vontade de se separar.
Entre 1998 e 2008, o número de casamentos cresceu 34,8%, superando em 13 pontos porcentuais o crescimento vegetativo da população nessa faixa etária. Os divórcios e as separações, no mesmo período de dez anos, cresceram menos, 33%. A diferença é pouca, mínima na verdade, mas sugere que o sonho de casar está mais em alta que a vontade de se separar.
Há várias maneiras de olhar para essas estatísticas de
casamento e separação. Uma delas é com otimismo: as pessoas se separam por que
estão infelizes, e é bom que a lei facilite o afastamento. Antes de 2002, a
separação judicial no Brasil, quando não era consensual, estava condicionada à
comprovação de “culpa objetiva e específica” de uma das partes. Hoje em dia,
qualquer motivo, mesmo fútil, é suficiente para que o juiz aceite a
“impossibilidade de vida comum”. Os juízes entendem que, se uma das partes não
quer, basta. Qualquer que seja a razão.
Outra forma de olhar para a mesma estatística é com alarme. Afinal, a cada casamento fracassado corresponde uma dose imensa de sofrimento humano. O divórcio, diz um estudo americano, só perde em termos de estresse para a morte de um cônjuge. É das piores experiências que as pessoas podem ter na vida.
Para os filhos, a separação também é dolorosa. Cria períodos de terrível ansiedade. Quando se olha para além da família, a onda de separações tem como consequência social o empobrecimento das pessoas. Mães pobres que criam sozinhas seus filhos, como mostram pesquisas recentes, estão entre os poucos grupos sociais que não conseguiram se beneficiar da elevação geral da renda brasileira dos últimos anos. Parecem estar abaixo da possibilidade de ascensão.
As pesquisas sugerem que o sonho da maioria continua sendo
um único casamento, que dure a vida inteira. Tudo isso seria mais ou menos
irrelevante se homens e mulheres estivessem perfeitamente confortáveis com a
idéia de casamentos seriais. Eles seriam intercalados por períodos miseráveis de
separação e pelo êxtase da descoberta de uma nova parceira ou parceiro. Não é
isso que as pessoas querem.
Nos Estados Unidos, elas são responsáveis por dois terços
dos pedidos de separação. No Brasil, essa proporção é ainda maior, 72%. Ao que
tudo indica, para essas mulheres o sonho de felicidade no casamento não mudou.
A realidade é que tem se revelado mesquinha.
Ninguém tem escrito com mais propriedade e mais aceitação
sobre os dilemas do casamento do que a americana Elizabeth Gilbert, de 40 anos,
autora do superbest-seller Comer, rezar, amar. Nesse livro de 2006, que vendeu
7,5 milhões de cópias e foi traduzido em 30 idiomas, ela conta como rompeu um
casamento juvenil desastroso, passou por um divórcio nauseante, mergulhou em
depressão, viajou o mundo para tentar juntar seus próprios pedaços e, ao final
dessa jornada quase épica, tendo jurado nunca mais se casar, se apaixonou em
Bali, na Indonésia, por um charmoso expatriado brasileiro, 17 anos mais velho
que ela, apresentado no livro como Felipe – e que, segundo o jornal The New
York Times, chama-se, na verdade, José Nunes. As memórias de Gilbert venderam
300 mil cópias no Brasil. O filme com o mesmo título, que será lançado em
setembro no país, tem elenco para ser outro sucesso. Gilbert será interpretada
por Julia Roberts e Felipe-Nunes pelo espanhol Javier Bardem, o romântico
cafajeste de Vicky Cristina Barcelona.
Além do entretenimento de uma boa leitura, há no livro
informações e idéias úteis para quem deseja iniciar ou preservar um casamento. A
primeira coisa que ele atira pela janela é o romantismo. Casamento não é uma
questão de paixão, afirma Gilbert. Bons casamentos não se ancoram numa erupção
hormonal que desliga o senso crítico e faz do cérebro apaixonado algo parecido
com o cérebro de um dependente químico (como está demonstrado por estudos de
imagens de ressonância magnética!). Estatísticas americanas mostram que, quanto
mais jovens as pessoas se casam, maior a chance de separação – e isso parece
estar ligado à urgência e à instabilidade das paixões juvenis. Só depois dos 25
anos as estatísticas começam a ficar menos dramáticas.
Além da divisão das tarefas da casa, parece haver mais
coisas a serem aprendidas com os casamentos sólidos – como a decisão de criar
espaços exclusivos para o casal, que não incluam os filhos. Todos os
especialistas dizem que isso é essencial para manter a chama do desejo e
reforçar a sintonia. Outra ilusão que o livro se empenha em destruir é a completude.
Não há um homem ou mulher, diz ela, que seja capaz de preencher a vida de cada
um de nós. A pessoa que porá nosso mundo no lugar ou fará com que ele permaneça
à deriva somos nós mesmos. O outro é um companheiro de viagem, não um pedaço de
nosso corpo ou uma fração de nossa alma. Muito menos um guia. “Eu me recuso a
sobrecarregar Felipe com a tremenda responsabilidade de me completar”, ela
escreve. “Já lidei o suficiente com minhas falhas para saber que elas pertencem
apenas a mim. Mas foi preciso mais de três décadas e meia para chegar a isso.”
Outra obsessão feminina à qual os maridos não costumam dar
atenção é a intimidade. Para os homens, essa palavra tem uma conotação quase
puramente física, enquanto no universo feminino intimidade significa um milhão
de outras coisas. “Um nível profundo e psicológico de comunicação e
reciprocidade”, por exemplo. Ou “um jeito de falar sobre si e de ser escutada
pelo outro”. Ou, ainda, “um tipo de conversa especial, de entrega singular, de quem
fala e de quem escuta”. Essa intimidade de atributos quase metafísicos, está
por trás de inúmeros pedidos de separação no Brasil. “A mulher casada há vários
anos diz que não consegue mais ter intimidade com o marido”.
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“Não dependa de ninguém na sua vida, só de Deus, pois até mesmo sua sombra o abandonará quando você estiver na escuridão.”