Classificação das disfunções sexuais - critérios
diagnósticos para os transtornos da sexualidade
A partir da
associação entre os modelos de Masters e Johnson (1984) e de Kaplan (1977),
estabeleceram-se critérios diagnósticos
para os transtornos da sexualidade, os quais constam do Manual diagnóstico
e estatístico dos transtornos mentais (2002), que definiu a resposta sexual
saudável como um conjunto de quatro etapas sucessivas: desejo, excitação, orgasmo e resolução.
As disfunções sexuais, em contrapartida, caracterizam-se por falta, excesso, desconforto e/ou dor na expressão e no desenvolvimento desse ciclo, o que afeta uma ou mais das fases deste. Quanto mais precocemente incidir o comprometimento desse ciclo, mais prejuízo acarretará à resposta sexual e mais complexos serão, o quadro clínico, e respectivos prognóstico e tratamento (Abdo, 2004b). A disfunção sexual, portanto, implica alguma alteração, em uma ou mais das fases do ciclo de resposta sexual, ou dor associada ao ato, o que se manifesta de forma persistente ou recorrente.
A Associação Psiquiátrica Americana (2002) assim
classifica as disfunções sexuais:
- Transtornos do desejo sexual
Transtorno do
desejo sexual hipoativo: deficiência ou ausência de fantasias sexuais e desejo
de ter atividade sexual.
Transtorno de
aversão sexual: aversão e esquiva ativa do contato sexual genital com um parceiro
sexual.
- Transtornos da excitação sexual
Transtorno da
excitação sexual feminina: incapacidade persistente ou recorrente de
adquirir ou manter uma resposta de excitação sexual adequada de
lubrificação-turgescência até a consumação da atividade sexual.
Transtorno erétil
masculino: incapacidade persistente ou recorrente de obter ou manter ereção
adequada até a conclusão da atividade sexual.
- Transtornos do orgasmo
Transtorno do
orgasmo feminino: atraso ou ausência persistente ou recorrente de orgasmo, após uma fase
normal de excitação sexual.
Transtorno do
orgasmo masculino: atraso ou ausência persistente ou recorrente de orgasmo, após uma fase
normal de excitação sexual.
Ejaculação
precoce: início persistente ou recorrente de orgasmo e ejaculação com
estimulação mínima antes, durante ou logo após a penetração e antes que o
indivíduo o deseje.
- Transtornos sexuais dolorosos
Dispareunia (feminina e masculina): dor
genital associada com intercurso sexual. Embora a dor seja experimentada
com maior frequência durante o coito, também pode ocorrer antes ou após o
intercurso.
Vaginismo: contração involuntária,
recorrente ou persistente, dos músculos do períneo adjacentes ao terço
inferior da vagina, quando é tentada a penetração vaginal com pênis, dedo,
tampão ou espéculo.
Disfunção sexual
devida a uma condição médica geral: presença de disfunção sexual clinicamente
significativa, considerada exclusivamente decorrente dos efeitos fisiológicos
diretos de uma condição médica geral.
Disfunção sexual
induzida por substância: disfunção sexual clinicamente significativa que
tem como resultado um acentuado sofrimento ou dificuldade interpessoal,
plenamente explicada pelos efeitos fisiológicos diretos de uma substância
(droga de abuso, medicamento ou exposição à toxina).
Disfunção sexual
sem outra especificação: disfunções sexuais que não satisfazem os
critérios para qualquer disfunção sexual específica.
Outra
classificação foi proposta pela Organização
Mundial da Saúde (1993) para as disfunções
sexuais de base psiquiátrica. Dos capítulos “Síndromes comportamentais
associadas a perturbações fisiológicas e fatores físicos” e “Transtornos de
personalidade e de comportamento em adultos”, da Classificação Internacional de
Doenças (CID-10), constam (OMS, 1993):
- Disfunção sexual não causada por transtorno ou
doença orgânica.
- Ausência ou perda do desejo sexual “Frigidez”
- Transtorno hipoativo do desejo sexual.
- Aversão sexual e ausência de prazer sexual
Anedonia (sexual).
- Falha de resposta genital (disfunção de
ereção, no homem).
- Disfunção orgásmica - Anorgasmia psicogênica
Inibição do orgasmo (na mulher, no homem).
- Ejaculação precoce.
- Vaginismo não orgânico - Vaginismo
psicogênico.
- Dispareunia não orgânica - Dispareunia
psicogênica.
- Apetite sexual excessivo - Ninfomania
Satiríase.
- Outras disfunções sexuais não devidas a
transtorno ou à doença orgânica - Dismenorréia psicogênica.
- Disfunção sexual não devida a transtorno ou à
doença orgânica, não
especificada.
- Aspectos diagnósticos das disfunções sexuais
femininas
À medida que o
conhecimento da sexualidade humana avança, melhor se identificam as diferenças
entre as características especificamente femininas e as masculinas da resposta
aos estímulos sexuais. Essas diferenças são atribuídas a fatores de ordem
biopsicossocial, em especial: hormônios
sexuais (estrógenos versus andrógenos), educação sexual (repressora versus permissiva), ambiente (controlador versus
estimulante) (Abdo, 2005).
Em decorrência
desse contexto, a mulher tende à
sensualidade e à sedução, enquanto o homem
busca a conquista e a posse no exercício da sexualidade. Esse quadro é
dinâmico e pode se modificar conforme se associam os fatores envolvidos,
próprios da vida de cada indivíduo. Tais fatores são
também os responsáveis pelo desenvolvimento e pela manutenção das disfunções
sexuais, sejam elas masculinas ou femininas.
Também se associam e se superpõem num mesmo caso de disfunção. Ou seja, um quadro disfuncional pode eclodir por causa orgânica, mas será agravado, em boa parte das vezes, por repercussão emocional. Caso a origem seja psíquica, as doenças próprias da idade acentuarão os sintomas da dificuldade sexual, respondendo por sua cronificação. Especialmente no caso das disfunções sexuais femininas, a tentativa de estabelecimento dos fatores etiológicos resulta na evidência da sua multiplicidade.
Também se associam e se superpõem num mesmo caso de disfunção. Ou seja, um quadro disfuncional pode eclodir por causa orgânica, mas será agravado, em boa parte das vezes, por repercussão emocional. Caso a origem seja psíquica, as doenças próprias da idade acentuarão os sintomas da dificuldade sexual, respondendo por sua cronificação. Especialmente no caso das disfunções sexuais femininas, a tentativa de estabelecimento dos fatores etiológicos resulta na evidência da sua multiplicidade.
- O diagnóstico das disfunções sexuais femininas é
eminentemente clínico
A queixa da
paciente, aliada à presença de alguns
elementos de anamnese, é fundamental. Deve-se considerar que um mínimo de seis meses de sintomatologia é critério
indispensável para a caracterização da disfunção. Além disso,
devem-se investigar as condições do(a) parceiro(a), para se afastar possíveis
equívocos de interpretação ante o quadro referido pela paciente. Assim, um homem com ejaculação precoce pode
conduzir sua parceira a se considerar anorgásmica, quando, de fato, a
precocidade dele a impede de concluir o ciclo de resposta sexual com êxito. Estimulação inadequada em foco, intensidade ou
duração exclui o diagnóstico de disfunção de excitação ou orgasmo (APA, 2002).
Outra relevante
consideração para diagnóstico, tratamento e prognóstico é a distinção entre disfunção primária (ao longo da vida) e secundária (adquirida), bem como
entre disfunção generalizada (presente com qualquer parceria) e situacional (presente em determinadas
circunstâncias e/ou parcerias). Devem-se
considerar, ainda, a idade da mulher e a
sua experiência sexual. Mulheres jovens e/ou principiantes costumam
apresentar dificuldade para
relaxamento/lubrificação, o que é bastante compreensível e não significa
disfunção, enquanto não houver experiência sexual suficiente.
Por outro lado,
as pesquisas e a observação clínica trouxeram à tona a constatação de que o modelo
de ciclo de resposta sexual atualmente adotado não responde ao que, de fato,
ocorre à significativa parcela das mulheres. Há aquelas que não têm desejo espontâneo ou que, ao tê-lo, nem sempre
dão seqüência ao ato sexual; algumas iniciam a atividade para acompanhar seus
parceiros, não motivadas por estímulos próprios (Leiblum, 2000).
A identificação
de sensações genitais prazerosas
acaba por desencadear nelas o interesse por sexo, confirmando que a excitação
pode se antepor ao desejo.
Uma nova proposta
para o ciclo feminino de resposta sexual foi apresentada por Basson (2001),
enfatizando o valor da intimidade como
motivação feminina para o sexo. Desta feita, entende-se que muitas mulheres
iniciam o ato sexual sem suficiente entusiasmo e interesse: na verdade, desejam aproximação física e carinho,
antes que a sensação erótica as envolva.
1. Início da atividade sexual, por motivo não necessariamente sexual, com ou sem consciência do desejo.
2. Excitação subjetiva com
respectiva resposta física, desencadeadas pela receptividade ao estímulo
erótico, em contexto adequado.
3. Sensação de excitação
subjetiva, desencadeando a consciência do desejo.
4. Aumento gradativo da excitação
e do desejo, atingindo ou não alívio orgástico.
5. Satisfação física e emocional,
resultando em receptividade para futuros atos.
Saliente-se ainda que não há
diagnóstico de disfunção sexual caso esta seja mais bem explicada por outro
transtorno (exemplo: se a redução do
desejo sexual ocorrer apenas no contexto de um episódio depressivo). Por
outro lado, se a dificuldade sexual anteceder o quadro psiquiátrico ou for um
foco de atenção independente, faz-se o diagnóstico adicional de disfunção
sexual.
Uma dificuldade
sexual (por exemplo, transtorno da excitação sexual) pode gerar outra (como transtorno do desejo sexual hipoativo),
devendo, neste caso, ser diagnosticados especificamente todos os transtornos
envolvidos. A coexistência de disfunção sexual e transtorno de personalidade
resulta em dois diagnósticos distintos, da mesma forma que a coexistência da
disfunção sexual com alguma outra condição médica geral (APA, 2002).
Dada a
multiplicidade de fatores envolvidos, recomenda-se avaliação psicossocial, de
preferência por equipe multidisciplinar, principalmente naqueles casos em que a
disfunção ocorre desde o início da vida sexual ou sofre influência de condições
psicológicas e relacionais, tais como: condições
de vida estressantes, mudanças na parceria, conflitos no vínculo conjugal e
disfunção sexual do parceiro.
Aspectos terapêuticos das disfunções sexuais
femininas
A simples
orientação dirimindo mitos e tabus, bem como legitimando o prazer sexual, pode
resolver uma parcela das dificuldades sexuais, em especial de mulheres mais
jovens e daquelas que ainda não tiveram repercussão da sintomatologia
disfuncional na vida como um todo e/ou sobre o desempenho sexual do parceiro.
O médico, nesses casos, desempenha papel fundamental, orientando, esclarecendo e prevenindo a cronificação dos sintomas. Por outro lado, depressão (prevalente no sexo feminino), comorbidades e tratamento antidepressivo são três fatores que conduzem e agravam a disfunção sexual, especialmente o desejo hipoativo. Diante dessa situação, boa parte das pacientes com depressão abandona o tratamento antidepressivo, diminuindo suas chances de recuperação e cronificando o curso da doença e da disfunção sexual que a acompanha (Abdo, 2004a).
Cabe ao médico avaliar o perfil da paciente, para prescrever a medicação antidepressiva que mais se adapte a cada caso e que mais oportunidade ofereça para a adesão ao tratamento. Para alívio dos sintomas climatéricos e pós-menopáusicos, têm sido utilizados estrógenos em larga escala. Possuindo efeito sobre o trofismo vaginal, aliviam os quadros de dispareunia, secundários à atrofia do epitélio da vagina, visto que restauram esse epitélio, bem como o pH e o fluxo sangüíneo vaginais (Fernandes, 2005).O seu efeito sobre o desejo é, pois, indireto.
Entretanto, quando a falta de desejo não é secundária à dor ou ao desconforto durante o ato, o desinteresse sexual persiste, apesar da terapêutica estrogênica. A testosterona responde pela manutenção de interesse e motivação sexuais (Dennerstein et al., 1997; Leiblum et al., 1983; Davis, 2000). Pode restaurar o desejo e a excitação, bem como favorecer as fantasias sexuais das mulheres que não respondem ao estrógeno isolado (Sherwin e Gelfand, 1987). Pode-se ponderar a indicação do tratamento androgênico para mulheres na pós-menopausa, sob terapêutica estrogênica, nas quais persistam os sintomas de falta de desejo, desde que não haja outro problema médico ou psicológico que explique o quadro.
Mulheres com comprometimento psicológico devem ser
indicadas para intervenção psicoterapêutica, em especial aquelas com história de
abuso e violência sexual. Comprometimento da auto-imagem e do vínculo conjugal,
fantasias impeditivas de manifestação mais livre da própria sexualidade e
ansiedade excessiva constituem outras indicações de atendimento
psicoterapêutico.
Uma condição que vem sendo associada a casos de inibição do desejo incide em mulheres desvitalizadas, tanto em relação à sua função sexual como à busca do prazer na vida, condição muitas vezes relacionada à dificuldade em lidar com sentimentos de raiva e hostilidade em relação ao parceiro. Essas pacientes também requerem acompanhamento psicoterápico.
Carmita Helena Najjar Abdo - Psiquiatra,
professora livre-docente do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Fundadora e Coordenadora do
Projeto Sexualidade (ProSex) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das
Clínicas da (IPq-HC-FMUSP).
Heloisa
Junqueira Fleury - Psicóloga, pós-graduanda em ciências pela FMUSP. Supervisora em psicoterapia do ProSex do IPq- HC-FMUSP.
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