O bom senso, que normalmente pensa mal, associa a compra boa e feliz a quando alguém adquire o que lhe é necessário, em especial, se pertencer à trinca das necessidades humanas fundamentais: saúde, educação e moradia. Essa fórmula do “politicamente correto” funciona ao nível da necessidade, mas nem sempre ao nível do desejo. Desejar é ter um desejo sempre de outra coisa, afirmava Jacques Lacan. (Jacques-Marie Émile Lacan (Paris, 13 de abril de 1901 — Paris, 9 de setembro de1981 foi um psicanalista francês).
Os exemplos chocam: para terror da patroa, sua cozinheira comprou uma boneca de presente de natal para sua filha, empenhando a própria bicicleta. Para desespero da esposa, seu marido pagou cinqüenta mil dólares no carrinho de brinquedo que faltava à sua coleção. Para desconsolo da viúva, sua filha gastou todo o 13º salário, em uma viagem para uma ilha semi-selvagem. Afirmar que esses fatos só ocorrem em um sistema de capitalismo selvagem, corruptor de mentes fracas, hipnotizador perverso e aliciador do consumismo suicida, é acreditar em utopias.
As condições de escolha de um objeto, como também de uma pessoa são sempre muito estranhas aos olhos dos outros; é o que fez Fernando Pessoa escrever que todas as cartas de amor são ridículas. Os tempos de hoje, da globalização, são ainda mais propícios às expressões singulares de cada pessoa, aumentando a taxa de estranheza das escolhas. Isso porque estamos em um tempo no qual não há padrões fixos do que se deve fazer, ou do como se pode ter prazer corretamente. Aumenta muito a responsabilidade de cada um de com quem está, em que lugar, e com o que.
Está com os dias contados o exibicionismo do objeto de luxo para mostrar poder e exclusividade, a questão não é mais de impressionar o outro, mas de, como um artista, fazer sua opção subjetiva, e incluí-la no mundo.
Felicidade não tem preço, diz a sabedoria popular, não no sentido de ser muito cara, mas de que não é “precificável”, de que nunca se acha o justo valor. Os objetos da pura necessidade espera-se que sejam gratuitos, pois se nos puseram nesse mundo, que nos cuidem, ensinem e abriguem; já os objetos de desejo, que cada um responda.
O ser humano é insatisfeito por natureza, porque não há nada no mundo que consiga responder integralmente ao que se quer. Essa é a diferença entre querer e desejar. Querer, normalmente, é algo que todo mundo compreende – quero tomar água, quero dormir, quero me proteger do frio. Querer, normalmente, veicula uma necessidade. Desejar, no entanto, é algo que ninguém compreende; é algo muito particular, singular de cada um. Jamais temos uma resposta que nos satisfaça completamente. Essa é a base da criação, ou a base do sofrimento.
Em Psicanálise, quando um desejo é realizado, são momentos raros, são momentos fulgurantes, são momentos em que a pessoa tem a sensação de uma quase morte; os franceses chegam a chamar o orgasmo de uma “pequena morte” – uma sensação como se estivesse no olho de um furacão, uma sensação de querer se agarrar ao outro. Isso passa. E o que vem depois? Pode vir uma depressão de algo perdido, pode vir uma vontade de ir além, de reinventar esse prazer tão rápido, que é a realização de um desejo.
O desejo é uma força que move o ser para as conquistas, sejam elas pessoais ou aquelas que mudam a história da humanidade. Obviamente, é possível alcançar aquilo que não se deseja, mas apenas quando há a intervenção do acaso.
É também “função” do desejo anestesiar nossa auto-estima e nossas emoções para que não sintamos tanto a dor da queda e da frustração durante a caminhada que nos levará ao lugar almejado. E a estrada que percorremos rumo às conquistas é iluminada pelo desejo. Ele torna o caminho claro. Faz-nos enxergar nitidamente o alvo, mesmo que a distância seja longa.
A característica do desejo descrita acima pode fazer com ela seja confundida com a fé. Mas elas, embora se complementem, não são forças sinônimas. A fé é a vontade ardente por algo associado à certeza de que o conquistaremos. Já o desejo puro e simples – além de ter o mesmo condão da fé – é responsável pela manutenção da coisa que conquistamos, pois se o desejo se apagar, a perderemos.
Mas a força do desejo não é garantia de que ele permanecerá aceso constantemente. Para ilustrar essa situação humana, irei utilizar como exemplo a história da Raposa e o Cacho de Uvas: A raposa, faminta, viu um cacho de uvas. Mesmo estando com água na boca e seu estômago roncando, o animal desistiu de ir colher as uvas, justificando: “estão verdes” (paráfrase da fábula de Ésopo). Na verdade, as uvas estavam maduras, mas também muito altas, o que exigiria esforço da raposa para alcançá-las. Apesar do desejo provocado pela fome, a raposa perdeu a motivação para colher as uvas.
Esse exemplo demonstra também que há pessoas que não aproveitam a força existente no desejo para superar obstáculos. Sem desejo é praticamente impossível obter grandes vitórias. Além disso, se ele não se mantiver, perderemos as coisas que lutamos arduamente para conseguir. Desejo é uma força inigualável, mas há a necessidade de ser contínua.
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