“Aquele que se sente alfinetado deve ter sido algum dia uma
bolha…” Lao-Tsé
Não sei se todos os leitores estão
familiarizados com o termo “ego inflado”. Então vamos começar por ele. EGO é
uma palavra latina correspondente ao EU. Um egoísta é aquele que só pensa em
si. Um egocêntrico é aquele que pensa ser o centro do universo. E um ego
inflado é um ego que está para além de seus limites.
Gostaria de compartilhar com vocês a definição de inflação egóica que Edward
Edinger faz no livro Ego e Arquétipo:
“A definição apresentada no dicionário
para inflação é: “Cheio de ar, dilatado pela ação do ar, irrealisticamente
amplo e importante, além dos limites das próprias medidas; portanto, vaidoso,
pomposo, orgulhoso, presunçoso.” Uso o termo inflação para descrever a atitude e o estado que acompanham a
identificação do ego ao Si-mesmo. Trata-se de um estágio no qual algo
pequeno (o ego) atribui a si qualidades de algo mais amplo (o Si-mesmo) e,
portanto, está além das próprias medidas.”
O Si-mesmo (ou self) é o arquétipo que corresponde à totalidade da psique, assim como seu
centro organizador. Seria como uma representação
psíquica do Todo, e até mesmo do divino. O Si-mesmo abrange tanto a
consciência quanto o inconsciente.
Quando o ego está em um estado de
inflação, é como se ele se identificasse com características próprias da
divindade, do todo, e do centro.
Durante a infância é normal que nossa
atitude seja a de se reconhecer como
centro do mundo. Tanto porque nosso ego ainda está em construção, separando-se
do inconsciente, quanto porque nosso ambiente nos trata dessa forma. Nós
achamos que o mundo e as coisas são nossas, por direito. Quando adultos, ficamos esperando que o estado, o chefe, o cônjuge, o
terapeuta, Deus ou o destino nos dê
aquilo que falta, de forma muito passiva. E quando não ganhamos… raiva e
tristeza emergem.
Quem puder, observe a fala e
comportamento das crianças pequenas: “a mãe é minha, o irmão é meu, a bola é
minha, quero isso, quero aquilo…” e
assim por diante. As crianças que são
muito mimadas tendem a manter na idade adulta essa atitude de exigir que o
mundo e as pessoas correspondam aos seus desejos.
Só um exemplo para ilustrar como
funciona: tenho uma sobrinha que fez 8 anos mês passado. Fazemos aniversário em
datas próximas, e ela mora em outra cidade. Na época do meu aniversário alguns
familiares viriam para a cidade onde moro, para me visitar, mas ela não queria,
estava com preguiça de viajar. E então alguém comentou “e se sua tia não vier
no seu?” A resposta veio logo, esbravejando ” Mas como que ela não vai vir no
MEU aniversário?”
É engraçado ver como funciona a psique
infantil. E para uma criança de 8 anos está perfeitamente normal. O problema é
a manutenção desse comportamento em idade adulta. O que antes era bonitinho
começa a ficar extremamente cansativo de se conviver e até mesmo doentio.
Uma psicose pode ilustrar perfeitamente
esse estado de identificação do ego com o Si-mesmo. Eu não consigo imaginar quantas reencarnações de Jesus Cristo
existem hoje na Terra. Ou então aquele indivíduo
paranóico, que acredita estar sendo perseguido a todo momento por outra
pessoa que quer derrubá-lo.
Há uns meses atrás fui abordada na rua
por um jovem que contou toda uma trama fantástica, que envolvia metade do
mundo, numa conspiração para que ele não arrumasse emprego. Esse ego inflado
não consegue admitir que não é tão especial assim. Se não arrumou emprego, só
pode ser porque tem alguém sabotando.
O ego inflado se coloca em situações de risco – abuso de álcool, drogas, velocidade, sexo sem proteção,
negócios ilícitos, e por aí vai, porque acha que nada pode acontecer com ele. É
atribuir a si aspectos da divindade, ser Todo-poderoso e imortal.
Outro aspecto clássico que o ego pode “pegar emprestado” do arquétipo da divindade é a questão de ser o salvador. É o cara que quer ser o
herói, ou aquela mulher que se envolve com o tipo mais cafajeste e errado e
acha que vai salvá-lo dessa vida. Perceber que não consegue torna a vida dessa
mulher muito sofrida, mas é justamente o que precisa para estourar a bolha.
Quando ela puder admitir que não tem o poder para mudar o outro, e viver dentro
da própria medida, as coisas ficam bem.
Isso pode acontecer com os profissionais
da área da saúde, defensoria pública, policiais, religiosos e por aí vai. Acho
que boa parte de nós pensa ser o salvador. Só que muitas vezes a gente perde. E
aí, como fica?
A vida e a nossa psique naturalmente vai
se encarregando de estourar nossa bolha, quantas vezes forem necessárias, até
que possamos ficar dentro da medida que nos cabe. Então no fundo, temos que agradecer aos momentos de revés. Eles
nos tiram da ilusão, e facilitam a convivência com o que nos cerca. Desinflar é
algo extremamente necessário para que possamos nos situar adequadamente dentro
de nossa realidade.
Só podemos torcer para que as
alfinetadas, os tombos e os reveses venham. Com sorte, eles virão em uma medida
que possamos aguentar. Se o estouro for proporcionalmente maior do que podemos
aguentar, caímos em um estado de extrema “alienação
do ego”. E pode ser que não sobre nada no que possamos nos agarrar para
levantar novamente.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
“Não dependa de ninguém na sua vida, só de Deus, pois até mesmo sua sombra o abandonará quando você estiver na escuridão.”