“Pode-se afirmar, sem exageros, que a ‘depressão’ está na “ordem do dia”. Milhares de livros e artigos (sejam acadêmicos ou veiculados na mass media) abordam o tema, sob as óticas de áreas de saber as mais diversas (que vão desde a psiquiatria à auto-ajuda), com suas respectivas proposições de ‘cura’.”
“Quem está deprimido perde o apetite, reduz a alimentação, emagrece, tem insônias e os sofrimentos melancólicos agudiza-se nas primeiras horas da manhã para atenuar-se à tarde. O humor é triste, a até abatido; o sentimento de impotência e de desespero não é influenciado pelos acontecimentos, mesmo quando são favoráveis. Diminui o impulso para procurar qualquer gênero de prazer e desaparece o desejo de experiências, anteriormente apreciadas com agrado. Compromete-se a capacidade de usufruir daqueles acontecimentos que eram fonte de satisfação. O deprimido vê anular-se a capacidade de gozar algum prazer: assim, bloqueia-se uma das molas especiais que impelem para a ação; a existência esvazia-se de todo o significado”. (O prof. Prof. Dr. Giovanni B. Cassano , MD e Chefe do Departamento de Psiquiatria, Neurobiologia, Farmacologia e Biotecnologia, da Universidade de Pisa, na Itália)
Os transtornos depressivos se caracterizam principalmente por alteração do humor do paciente em direção ao pólo depressivo. Os sintomas apresentados pelos pacientes são influenciados pela faixa etária em que o problema ocorre, bem como pela presença de outras condições clínicas associadas. Englobam sintomas que precisam ser reconhecidos pelos médicos de todas as especialidades, devido à sua alta prevalência e repercussão negativa na qualidade de vida dos pacientes, bem como nas outras condições médicas que os mesmos apresentam. O tratamento clínico é realizado com antidepressivos até a remissão completa dos sintomas depressivos. Depois do tratamento agudo, o seguimento se divide em duas fases:
· Inicialmente, deve-se manter o tratamento na dose eficaz (com a qual o paciente apresentou remissão dos sintomas) por um período igual ou maior a um ano.
· Depois desse período de uso do antidepressivo, pode-se reduzir gradualmente a dose até a sua suspensão.
· Em um segundo episódio depressivo, a medicação antidepressiva deve ser utilizada por um período mínimo de dois anos após a remissão dos sintomas. No caso de risco elevado de recorrência, deve-se considerar uma fase de tratamento de manutenção preventiva, com uso de antidepressivo por período indeterminado.
Algumas doenças clínicas podem cursar com sintomas depressivos, como, por exemplo, o hipotiroidismo. Os transtornos depressivos podem apresentar também uma série de sintomas físicos, o que pode levar muitos pacientes a procurarem um Clínico Geral ou um especialista em outras áreas da medicina antes de procurar um Psiquiatra.
Os transtornos depressivos são freqüentes, ocorrem em todas as culturas e níveis socioeconômicos e podem surgir em qualquer período da vida. Em adultos, o transtorno depressivo maior, um subtipo dos transtornos depressivos, alcança prevalência ao longo da vida de 10% a 25% para mulheres e de 5% a 12% para homens. A prevalência de depressão maior se mantém constante entre diferentes raças e culturas. Independente de outros fatores demográficos, as mulheres são universalmente mais acometidas por depressão maior que os homens. A idade média do início do transtorno depressivo maior se situa por volta dos 40 anos. Metade dos pacientes apresenta início dos sintomas entre 20 e 50 anos.
A Organização Mundial da Saúde estima que em 2020 os transtornos depressivos serão a segunda maior causa de comprometimento funcional, perdendo apenas para as doenças coronarianas. Esta projeção, associada à alta prevalência de sintomas depressivos na população em acompanhamento por conta de doenças, reforça a necessidade da familiarização dos médicos de todas as especialidades com o diagnóstico e tratamento deste problema de saúde pública.
Os transtornos depressivos se manifestam por meio de humor deprimido na maior parte do tempo, o que é identificado na maior parte das vezes pelo sentimento de tristeza e tendência ao choro. Há também um desinteresse por atividades antes consideradas prazerosas nota-se uma redução no tempo destinado ao trabalho ou atividades rotineiras por desinteresse e/ou por uma sensação de fraqueza, cansaço, falta de energia o pensamento pode ficar lentificado e a capacidade de concentração e atenção prejudicadas o apetite pode estar reduzido ou aumentado a qualidade do sono fica comprometida, ocorrendo insônia ou hipersônia pode ocorrer uma diminuição da atividade motora, com prostração ou situações de inquietação o conteúdo do pensamento pode alterar-se, ocorrendo idéias de menos-valia, inutilidade, culpa, pessimismo pensamentos de suicídio e/ou planejamento suicida podem aparecer em quadros mais graves, inclusive com tentativas frustradas de suicídio. Em situações graves de depressão podem ocorrer sintomas psicóticos, com alucinação e delírios, em geral de conteúdo niilista(redução ao nada; aniquilamento; não-existência).
A Organização Mundial da Saúde, por intermédio da Classificação Internacional de Doenças (CID), propõe critérios diagnósticos para os transtornos depressivos. A duração dos transtornos depressivos, sua intensidade ao longo do tempo, sua recorrência e a qualidade de seus sintomas permitem caracterizar seus subtipos clínicos. Por conta da alta prevalência dos transtornos depressivos, recomenda-se que a presença de sintomas seja investigada ativamente em todos os pacientes hospitalizados ou atendidos em ambulatórios ou consultórios.
Perguntas simples sobre como a pessoa percebe o seu humor, como está seu desempenho nas atividades que exerce ou sobre o interesse por coisas que habitualmente dariam-lhe prazer, podem servir como triagem para uma investigação mais aprofundada.
Especificidades dos transtornos depressivos
1. Transtorno depressivo maior
O episódio pode ser único ou recorrente durante a vida do indivíduo. Em razão das diferentes combinações de sintomas, pode-se especificar o episódio de acordo com a presença de aspectos melancólicos ou atípicos.
Quadros melancólicos são caracterizados pela presença de anedonia (perda da sensação de prazer) ou humor não reativo a atividades anteriormente prazerosas, piora dos sintomas no início do dia, insônia terminal, agitação ou retardo psicomotor acentuados, anorexia, ideação de culpa excessiva. Nos quadros atípicos se encontram, sonolência excessiva, aumento exagerado do apetite e sintomas ansiosos proeminentes. Nesses casos, quando a ansiedade se mostra importante, o clínico corre o risco de diagnosticar um transtorno ansioso e tratá-lo com ansiolíticos apenas em vez de antidepressivos.
2. Transtorno depressivo menor
O transtorno depressivo menor se caracteriza pela presença de episódios depressivos, cujos sintomas são menos intensos do que ocorre na depressão maior. Embora se coloque a depressão menor como um subdiagnóstico dentro dos quadros de humor, sua etiopatologia, curso e tratamento, seguem os mesmos padrões do transtorno depressivo maior.
3. Transtorno distímico
O transtorno distímico é marcado pela presença de humor depressivo por pelo menos dois anos. Durante os dois anos iniciais não deve ter ocorrido um episódio depressivo maior. Em geral, a distimia tem início na infância e adolescência e apresenta um curso insidioso e crônico, o que faz com que o indivíduo se adapte aos sintomas e os reconheça, por vezes, como parte de seu jeito de ser. A prevalência de tal transtorno ao longo da vida é de 6%. A procura por auxílio médico ocorre, na maioria das vezes, pela superposição de episódios depressivos maiores, o que é freqüente. A distimia aparece muitas vezes como uma tristeza constante ou irritabilidade, principalmente em crianças e adolescentes. Pelo menos dois dos seguintes sintomas devem ocorrer simultaneamente: apetite diminuído ou hiperfagia, insônia ou hipersônia, falta de energia ou fadiga constante, baixa auto-estima, dificuldade para se concentrar ou para tomar decisões, desesperança. Quando a distimia se inicia precocemente, o desenvolvimento psicossocial pode ser afetado, cursando com prejuízo importante nas habilidades sociais e na auto-estima dos seus portadores.
4. Transtorno de ajustamento com humor depressivo
Sintomas característicos de um episódio depressivo, podem aparecer em reação a eventos estressores significativos na vida das pessoas. A reação apresentada reflete um sofrimento intenso, que excede o esperado, ou causa prejuízos significativos no funcionamento social ou profissional. Tais sintomas devem aparecer nos três primeiros meses após a ocorrência do estressor e se resolvem em menos de seis meses depois do término do estressor. Os sintomas podem prolongar-se para além de seis meses, principalmente em resposta a estressores crônicos, como doenças crônicas, ou de conseqüências prolongadas, como dificuldades financeiras. A abordagem terapêutica deve sempre considerar o uso de antidepressivos, em casos nos quais os sintomas se tornam graves e incapacitantes.
5. Luto
Algumas pessoas reagem à perda de entes queridos com um quadro com características de um episódio depressivo. Nessas situações, espera-se que os sintomas apresentados remitam em até dois meses após a perda. No entanto, o luto pode ser desencadeador de um episódio depressivo em portadores de transtorno de humor. A diferenciação entre luto e transtorno depressivo deve ser feita nestes casos e naqueles em que os sintomas típicos do luto se prolonguem para além do esperado. A presença de ideação de culpa e inutilidade, pensamentos recorrentes de morte, lentificação psicomotora e prejuízo funcional podem apontar para a presença de um transtorno depressivo. Confirmando-se um episódio depressivo, o tratamento segue o padrão daquele para quadros depressivos não associados ao luto.
6. Transtorno depressivo com padrão sazonal
Pacientes com padrão sazonal experimentam episódios depressivos em uma determinada época do ano, habitualmente no inverno. Estudos sugerem disfunções cerebrais distintas dos demais quadros depressivos. De modo interessante, os sintomas podem ser tratados eficazmente com fototerapia específica (A fototerapia é um dos diversos recursos da Fisioterapia no tratamento e cura de diversas patologias). A abordagem terapêutica também pode ser realizada com o uso de antidepressivos convencionais.
7. Depressão na infância e adolescência
As características específicas de depressão em crianças e adolescentes podem dificultar o diagnóstico. Sabe-se que o humor tende a ser mais irritável do que deprimido, queixas somáticas são freqüentes, abuso de substâncias ilícitas e condutas anti-sociais também podem ocorrer mais comumente. Dificuldades escolares e de sociabilização são sugestivos de alterações de humor nesta faixa etária. Psicoeducação familiar é essencial para o sucesso do tratamento. O uso de medicações deve ser feito sempre que necessário, em doses adequadas para esta população, e a associação de psicoterapia mais diretiva é recomendada na maioria dos casos.
8. Depressão no ciclo de vida da mulher
As mulheres, depois da puberdade, apresentam risco maior de desenvolver transtornos depressivos quando comparadas aos homens, atingindo prevalência duas vezes maior que para os homens na idade adulta. Esta diferença sugere a participação de fatores psicossociais e biológicos associados ao sexo feminino. As alterações hormonais que ocorrem durante os ciclos reprodutivos da mulher – ovulação, gestação, puerpério e climatério – têm repercussão sobre a ação dos neurotransmissores, podendo responder em parte pelas alterações de humor associadas a esses ciclos. Durante a gestação cerca de 20% das mulheres apresentam sintomas depressivos e em torno de 10% delas desenvolvem transtorno depressivo. Alguns fatores se associam a um maior risco: conflitos conjugais, idade jovem, suporte social inadequado e história prévia de quadros depressivos.
A depressão pós-parto acomete cerca de 10% das puérperas, embora um número bem maior sofra com sintomas depressivos leves, denominado blues, que remitem espontaneamente na primeira semana após o parto. Em um terço das mulheres que desenvolve depressão pós-parto, sintomas ansiosos se manifestam com intensidade significativa, podendo ocorrer crises de pânico e pensamentos intrusivos associados ao medo de machucar o filho recém-nascido. Em alguns casos, sintomas psicóticos também podem aparecer, com risco de graves repercussões sobre o desenvolvimento da criança. A decisão pelo tratamento farmacológico nestes casos deve ser tomada considerando-se os riscos e benefícios associados ao transtorno e aos antidepressivos juntamente com a paciente e seu cônjuge. O uso de antidepressivos se configura sempre como uma questão dilemática durante a gestação e a amamentação.
9. Depressão em idosos
Com o aumento da expectativa de vida, a Organização Mundial da Saúde estima que em 25 anos pessoas com idade superior a 65 anos corresponderão a 10% da população mundial. Atualmente, estudos epidemiológicos têm mostrado uma prevalência de sintomas depressivos em torno de 15% nesta faixa etária. A depressão em idosos é vista muitas vezes como algo normal. Tende-se a justificar os sintomas como próprios da idade, decorrentes dos problemas sofridos durante a vida, associados às limitações físicas ligadas ao envelhecimento ou a doenças clínicas comórbidas. Falta de prazer, ideações de culpa, inutilidade, desesperança ou de morte são características mais específicas associadas à depressão, cuja investigação deve ser sempre realizada. O diagnóstico correto e o tratamento dos transtornos depressivos nesta população são necessários, uma vez que comprometem intensamente a qualidade de vida dos pacientes e aumentam sua morbimortalidade (impacto das doenças e dos óbitos que incidem em uma população).
10. Depressão em doenças crônicas
Em portadores de doenças clínicas crônicas, transtornos depressivos podem estar presentes de modo independente da doença clínica, ser decorrentes dela ou, ainda, causar ou exacerbar sintomas físicos (fadiga, mal-estar, dor, energia). Desse modo, todo o paciente portador de doença crônica deve ser investigado quanto à possível presença de transtornos depressivos que, quando presentes, deverão ser tratados. Questionar ativamente os pacientes sobre seu estado de humor e motivação para atividades consideradas prazerosas pelo indivíduo podem auxiliar os clínicos a aprimorar o diagnóstico de depressão.
Tratamento clínico
Os pacientes devem ser orientados quanto à natureza médica da depressão, sobre as possibilidades de tratamento e os aspectos envolvidos, como tempo de latência para início da resposta, possíveis efeitos colaterais e sua remissão após as primeiras semanas de uso, bem como sobre os riscos da ausência de tratamento. As informações passadas ao paciente melhoram a aderência e ajudam a suportar o período inicial de tratamento até que os benefícios apareçam. Recomenda-se que ao realizar o diagnóstico de um episódio depressivo, o clínico investigue sintomas relacionados ao pólo maníaco do humor e a presença de uso abusivo/dependência a substâncias, bastante freqüente nos quadros de alteração de humor. A condução do tratamento de portadores de transtorno bipolar deve ser feita por psiquiatras, já que esses pacientes necessitam de abordagens farmacológicas e psicoterápicas específicas.
Síndrome de descontinuação de antidepressivos
Sintomas relacionados à descontinuação ocorrem com freqüência para todas as classes de antidepressivos, especialmente quando ocorrer interrupção abrupta e com doses altas das medicações.
Os sintomas mais comumente apresentados pelos pacientes são náusea, tontura, cefaléia e letargia. Podem ocorrer também insônia, inquietação, parestesias, ansiedade, com crises semelhantes a pânico. Dentre os antidepressivos, a paroxetina e a venlafaxina em sua formulação de liberação rápida respondem pela maior taxa destes sintomas, em razão da meia-vida relativamente mais curta. Nestes casos, a retirada da medicação deve ser profilaticamente realizada mais lentamente. A resolução dos sintomas ocorre em tempo variável, não excedendo, no entanto, três semanas. Em caso de reintrodução da medicação, os sintomas desaparecem nas primeiras 24 horas.
Psicoterapia
A indicação de psicoterapia dependerá de cada caso. Na literatura se descreve que a associação de tratamento farmacológico e psicoterápico apresenta efeitos melhores no tratamento dos transtornos depressivos que ambas as intervenções isoladas. Deve-se avaliar juntamente com o paciente, possíveis conflitos pessoais e interpessoais que possam prejudicar a recuperação ou representar fatores de suscetibilidade para a recorrência dos sintomas depressivos. Contudo, as demandas individuais e a adaptação da orientação psicoterápica às expectativas do paciente devem ser consideradas.
Prognóstico
O tratamento dos transtornos depressivos é bem-sucedido na maioria dos casos. O sucesso, no entanto, dependerá do diagnóstico correto e do uso adequado das medicações disponíveis.
Estima-se que 30% a 45% dos pacientes tratados por depressão maior apresentam resposta inadequada ao tratamento inicial e até 15% dos pacientes se mostram resistentes ou mesmo refratários ao tratamento farmacológico. Sintomas residuais são também muito comuns, deixando o indivíduo vulnerável para a recorrência do quadro.
A presença de comorbidades psiquiátricas ou de transtornos de personalidade podem contribuir para a refratariedade de alguns casos. Em casos de ausência completa de resposta ou resposta parcial a vários antidepressivos é aconselhável o encaminhamento para um psiquiatra.
Quanto maior a freqüência de episódios apresentados pelo paciente maior o risco de um novo episódio futuro. Anualmente, cerca de 5% a 10% dos pacientes em uso de antidepressivos apresentam recorrência dos sintomas e aproximadamente 80% das pessoas que experimentam um episódio depressivo terão novos episódios ao longo da vida. Nos casos recorrentes, indica-se a manutenção do uso de antidepressivos como estratégia profilática. A importância da prevenção nestes casos se deve aos elevados custos associados aos sintomas, não apenas econômicos, mas principalmente os relacionados à qualidade de vida dos pacientes.