Nunca tanta gente teve depressão no mundo. São 350 milhões de pessoas nessa condição - boa parte nem sabe disso.
O que está
acontecendo conosco?
O que devemos
fazer a respeito?
A
morte era iminente. E lenta. A notícia sobre a doença terminal do marido afogou
Estela na maior dor possível. Ela não sabia como agir. Cuidou dele todos os
dias, por cinco anos. Mas era mais do que podia suportar. Sentia raiva do mundo. Ninguém poderia entender de verdade - a dor era
dela. Ainda assim, queria a ajuda dos amigos, mas sem ter de pedir,
sentia-se invadida. Se tentassem ajudar, ficava brava. Se não tentavam, pior
ainda. Aos poucos se afastou de todos,
isolando-se na própria e devastadora dor. A vida não tinha mais graça. E não era um momento passageiro. Tudo
era chato, sem cor, sem prazer. Os
tempos de alegria haviam sido uma ilusão tola, pensava. Estela sabia que nunca
mais encontraria esse falso prazer.
Depois piorou. Quando o marido morreu, ela se sentiu aliviada. E esse alívio a
destroçou com uma sensação de culpa do tamanho do mundo. Queria morrer junto. A
depressão se fincou nela.
Estela, que prefere usar um nome fictício, é uma entre as 350
milhões de pessoas com depressão no mundo. Um número que só aumenta e que virou
um problema de nossa era: só nos Estados Unidos, o consumo de antidepressivos
aumentou 400% em 20 anos. Mas, historicamente, depressão é um conceito que
surgiu outro dia. Por séculos, ela era uma doença misteriosa chamada apenas de
melancolia.
"Perdi toda a alegria e descuidei-me dos meus exercícios
habituais", disse Hamlet logo após o assassinato do pai. Se vivesse hoje,
o personagem de Shakespeare certamente entraria na mira dos médicos. Ele seria
enquadrado no DSM-V, a bíblia da psiquiatria, que identifica e diagnostica os
transtornos mentais. Hamlet, sob os olhos da medicina contemporânea, teve
depressão.
Dos
tempos de Shakespeare para cá, muita coisa mudou. Tristeza não é doença.
Depressão é, com sintomas reconhecidos, padronizados e tratamentos específicos.
E uma indústria que desenvolveu remédios para combater esse mal que deve
crescer ainda mais. A Organização Mundial da Saúde aposta que em 2030 a
depressão já será a doença mais comum do mundo, à frente de problemas cardíacos
e câncer. Vivemos uma espécie de epidemia de mal-estar: há mais pessoas
deprimidas do que nunca. Ironicamente, justo em uma época em que a busca pela
felicidade é algo quase obrigatório.
Você conhece alguém que não queira ser
feliz? Soa bizarro e anacrônico. Nosso estilo de vida gera angústia e tristeza
- que podem levar à depressão. É grave, ficamos vulneráveis a ela, com o risco
maior de cair no abismo: passar a barreira dos sintomas leves e entrar numa
depressão profunda. É como se a vida fosse uma calçada esburacada - nem todo
mundo que tropeça cai e se arrebenta. Dá para controlar a queda, se segurar
etc. Mas quem desaba no chão corre o risco de não se levantar mais: 15% das
pessoas com depressão grave cometem suicídio. O
medo da depressão e a busca incessante por felicidade fizeram muita gente fugir
da tristeza como se ela fosse uma peste dos nossos tempos.
Quem quer ter isso?
Quem quer ficar perto de alguém que tem? Isso impulsionou o desenvolvimento de
remédios com efeitos colaterais cada vez menos nocivos. Mas também levou a uma
certa banalização. "Eu tenho a impressão de que todo mal-estar virou
depressão", diz Mário Corso, psicanalista e autor do livro A Psicanálise
na Terra do Nunca. "É uma coisa da nossa época. Depressão é a palavra que
serve para tudo, as pessoas não sabem o que têm e dizem que estão
deprimidas", explica. Tanya Luhrmann, antropóloga especializada em
psicologia da Universidade Stanford, nos EUA, acha que há um clima de
exagero.
"Estou certa de que nós damos muito remédio às pessoas e que tristeza
comum é tratada com medicação", diz. Saber a diferença entre tristeza e
depressão é essencial. "A tristeza tem motivos, a depressão não tem motivo
nenhum", explica Corso. Na tristeza, choramos pela morte de alguém.
Ficamos tristes, mas a dor passa, por mais que a saudade não. Na depressão, a
dor não passa. A pessoa não sente mais prazer em nada. E foi nessa zona
cinzenta de desinformação que nasceu a farra das farmácias. A busca por um
comprimido mágico que promete milagres, transformando dor em felicidade, levou
muita gente a desaprender a lidar com a tristeza.
Ranking da felicidade
Índice
baseado em critérios como saúde, segurança, educação e oportunidades
Os mais felizes
1.
Noruega
2.
Dinamarca
3.
Suécia
4.
Austrália
5.
Nova Zelândia
6.
Canadá
7.
Finlândia
8.
Holanda
9.
Suíça
10.
Irlanda
Os mais tristes
1.
República Centro-Africana
2.
Congo
3.
Afeganistão
4.
Chade
5.
Haiti
6.
Burundi
7.
Togo
8.
Zimbábue
9.
Iêmen
10.
Etiópia
No meio do
caminho: Brasil, em 44º lugar entre 142 países.
Fontes
Kantar Health (Reino Unido); Legatum Institute, 2012 (Reino Unido); Organização
Mundial da Saúde (OMS); Universidade de Warwick (Reino Unido).
A INDÚSTRIA DA DEPRESSÃO
Sigmund
Freud conhecia um remédio legal para curar depressão. Chamava-se cocaína.
Usuário e entusiasta da droga, ele a receitava para pacientes que sofriam de
tristeza recorrente e sem explicação. Antes disso, os estimulantes mais receitados
eram morfina e heroína - até descobrirem que ambas viciavam e tinham efeitos
colaterais perigosos. Mas aí, veja só, viram que cocaína também era um
problema. Em 1914, os EUA foram o primeiro país a proibi-la. Só na década de
1950 surgiu um substituto eficaz contra esse vazio da alma. Como na origem de
tantos outros remédios, miraram aqui e acertaram ali.
O Marsilid surgiu como
uma tentativa de encontrar a cura para a tuberculose, mas quem o tomava ficava
um tanto alegre. Ninguém sabia explicar por quê. Até que em 1965 o psiquiatra
americano Joseph J. Schildkraut elaborou a primeira teoria para explicar os
efeitos do remédio e, de quebra, as causas da depressão. Ele dizia que a
tristeza é um descompasso bioquímico no cérebro ligado à serotonina, dopamina e
noradrenalina, os neurotransmissores que regulam o humor e as sensações de
prazer e recompensa. Se os níveis dessas substâncias estivessem baixos, era
indício de depressão. Bastaria então tomar algo que aumentasse a taxa, e tudo
ficaria lindo. E o princípio ativo do Marsilid era a iproniazida, que eleva,
justamente, o nível de serotonina.
Foi
uma mina de ouro para a indústria farmacêutica. Tratar doenças mentais deixou
de ser coisa só de gente extremamente doente, à beira do hospício. O marketing dos
laboratórios passou a mirar também em mães estressadas, trabalhadores cansados
e qualquer cidadão propenso a uma fase deprê na vida. Desde a década de 1960,
surgiram vários remédios que traziam bem-estar, sempre com ação direta na
química cerebral. Mas as vendas nunca decolavam, porque os efeitos colaterais
eram muito fortes, como inquietação, insônia e dificuldade em urinar.
Só
em 1988 surgiu um medicamento que não só mudou de vez as cifras da indústria
como conseguiu extravasar o universo das gôndolas das farmácias e virar um
ícone cultural: o
Prozac. Com
efeitos colaterais bem menores, a "pílula
da felicidade", como foi chamada na época, entrou para a lista dos
medicamentos mais vendidos no mundo. Desde então, surgiram cerca de 30 remédios
destinados a combater a depressão. Mas nenhum deles ficou famoso como o Prozac, que, segundo a fabricante Eli
Lilly, foi vendido a 90 milhões de
usuários nesses 25 anos, enchendo os cofres da empresa. Em 2000, um ano
antes de a patente expirar, ela faturou mais de US$ 2 bilhões com o remédio,
cerca de 50% a mais que a Pfizer ganhou no mesmo ano com o Viagra.
Dos
anos 90 para cá, o antidepressivo
ficou comum. Para toda tristeza ou
desânimo, ele passou a ser considerado um tratamento em potencial. Mas o
Prozac não teria sido um megahit da década tão grande quanto Carla Perez ou
Jurassic Park se não houvesse quem o receitasse. Tudo
que era tipo de médico passou a indicar antidepressivos. Tristeza aqui,
melancolia acolá, tome remédio goela abaixo que melhora. Só que, como era de se
esperar, nem sempre os diagnósticos batiam com o problema. Foi o que aconteceu
com o professor aposentado Antônio Alves. Aos 45 anos, ele se sentia
desanimado, sem vontade de fazer tarefas diárias. Procurou um psiquiatra que
logo o diagnosticou com depressão e indicou um remédio. O tratamento surtiu
efeito no início, mas depois perdeu a força. Desanimado, Antônio buscou uma
segunda opinião. Ao se consultar com um clínico geral, descobriu que seu
problema era outro: a andropausa havia chegado mais cedo. A contragosto do
psiquiatra, Antônio abandonou os antidepressivos e passou a tomar repositores
de hormônios. Não teve mais crise.
Além
do fato de antidepressivos nem sempre surtirem efeito, agora a própria teoria
que explica seu funcionamento está sendo questionada. Cinquenta anos depois, a
teoria dos baixos níveis de serotonina não é mais tão forte. Alguns desses
remédios, em vez de elevar a concentração da substância, abaixam ainda mais. Para complicar, nem todo cérebro deprimido
tem pouca serotonina. Mesmo assim, ainda
se acredita que a depressão é, sim, um desequilíbrio químico. O problema é
que não se sabe ao certo quais são os neurotransmissores envolvidos.
Ou
seja, não que fosse má-fé da classe médica receitar antidepressivo a torto e a
direito. É que depressão é uma doença conhecida há pouco tempo e ainda muito
misteriosa. Ela não é como o câncer, em que um exame de imagem mostra a
regressão ou o aumento de um tumor, e uma biópsia revela o estágio e o grau da
doença. Não há resultados impressos para mostrar se o tratamento teve
resultado.
Existe
a suspeita ainda que a culpa do caos químico no cérebro seja do estresse. Em
resposta à tensão do ambiente externo, o corpo produz mais cortisol e outros
hormônios do estresse. O excesso pode alterar a bioquímica cerebral e causar
depressão. Se o problema for mesmo esse, então a infelicidade crônica pode ser
uma resposta ao nosso estilo de vida. Estamos mais tristes, também, por causa
da nossa sociedade.
Principais tipos de antidepressivos
Tricíclicos
O
que fazem - aumentam os níveis de serotonina e noradrenalina.
Efeitos
colaterais - sedação, boca e olhos secos, prisão de ventre, ganho de peso,
sonolência.
Exemplos
- Tryptan (amitriptilina), Anafranil
(clomipramina), Sinequan (doxepina).
Inibidores da
monoamina oxidase
O
que fazem - Anulam a monoamina oxidase, que destrói a serotonina, dopamina e
norepinefrina.
Efeitos
colaterais - ganho de peso, inquietação, disfunção sexual e insônia.
Exemplos
- Marsilid (iproniazida), Nardil
(fenelzina), Eldepryl (selegilina).
Inibidores
seletivos de recaptação da serotonina
O
que fazem - aumentam os níveis de serotonina.
Efeitos
colaterais - náusea, insônia e disfunção sexual.
Exemplos
- Prozac (fluoxetina), Pondera
(paroxetina), Zoloft (sertralina).
Atípicos
O
que fazem - atuam, de maneiras diferentes, na serotonina, norepinefrina e
dopamina.
Efeitos
colaterais - cada um é um caso. Podem suscitar convulsão, confusão, disritmia
cardíaca, náusea, ansiedade, disfunção sexual e alergia.
Exemplos
- Efexor (venlafaxina), Zetron
(bupropiona), Cymbalta (duloxetina) e outros.
Fontes
Anvisa; IMS Health / Estado de Minas.
DOR NA ALMA
Os
evolucionistas acreditam que a depressão é uma característica do nosso cérebro,
provocada por algo que nos ajudou a sobreviver: somos um bicho sociável. Esse
instinto de socialização e cooperação facilitou a vida dos nossos ancestrais -
conseguir comida em grupo era bem mais fácil. Mas ele abriu a porteira para a
depressão, porque nosso humor sempre foi influenciado por esse convívio em
sociedade. Quando o cérebro se desenvolveu, 200
mil anos atrás, ninguém
precisava tomar grandes decisões. Ele foi adaptado para lidar com comunidades
pequenas, de até 70 membros. A pessoa não precisava se encontrar na vida, ela
já nascia inserida em um contexto mais bem definido. Suas opções eram poucas,
determinadas por etnia, grupo social, família etc. Não havia tantas opções e
decisões. E aí, quanto mais complexa a vida ficou, maior a propensão à
depressão. Hoje, são zilhões de escolhas, é difícil ter certeza sobre qual será
a melhor - e qual tomamos só para ser aceitos nessa vida em sociedade. Qual o
melhor emprego, a melhor namorada, a melhor cidade para se viver. O cérebro às
vezes parece incapaz de lidar bem com isso. Não é à toa que muitos depressivos
se queixam de ter surtado por só atender às vontades alheias, em vez de seguir
os próprios desejos.
Em
comunidades mais simples, os índices de depressão são menores. Um exemplo são
os kaluli, etnia da Papua-Nova Guiné que vive da caça, pesca e agricultura de
subsistência. O antropólogo Edward Schieffelin, da Universidade College de
Londres, entrevistou 2 mil kaluli em dez anos de pesquisa. Só uma pessoa
apresentou sinais de depressão - uma taxa 20 vezes menor que a do Brasil.
Schieffelin acredita que a explicação esteja no estilo de vida. Os kaluli usam
muito o corpo, se alimentam de comidas naturais e se expõem mais
ao Sol. A
verdade é que todos precisamos de ar livre. A luz solar aumenta a produção de
hormônios que deixam você mais disposto, mais animado. "Existe uma relação
já comprovada entre a falta de sol e a depressão. Não é à toa que nos países do
norte europeu o índice de depressão é maior que aqui", explica Raphael
Boechat, psiquiatra e professor da Universidade de Brasília. Ao mesmo tempo em
que estão entre os países mais felizes do mundo, graças à excelente qualidade
de vida, os países escandinavos têm altos índices de depressão.
A
psicanálise leva a questão um pouco mais longe. No livro O Tempo e o Cão, a
psicanalista Maria Rita Kehl culpa nossa sociedade consumista pelo vazio da
alma. A máxima do nosso tempo é vencer. E vencer significa ser feliz. No meio
do caminho, escolha uma profissão, tenha amigos, compre um carro, financie uma
casa, case, viaje, vá ao shopping, torça para um time, compre, use, abuse,
jogue, desfile, passeie, julgue, brilhe, dance, transe, descanse. A publicidade
teria transformado a felicidade em uma sucessão de frases imperativas que nos
faz consumir. Só que isso não preenche nada.
E
o vazio continua aqui dentro. O depressivo, descreve Kehl, não consegue ver
graça em nada disso, em nenhuma dessas conquistas. "A vida tinha um filtro
cinza", diz a publicitária Rachel Juraschi, descrevendo o que sente um
depressivo. "Não era só tristeza, era preguiça de viver". Ela
suspeita que desde a adolescência, "uma época sem boas lembranças",
sofria de depressão. Mas foi só aos 28 anos, com o casamento e o trabalho em
crise, que a doença atacou para valer. "Nem banho eu tomava mais",
lembra. Deveria se divertir, se informar, socializar, conforme manda o
protocolo. Mas, assim como em outros depressivos, nada disso fazia sentido. A
pessoa não se diverte - e se culpa por isso. Aí procura tratamento.
"Junto
com a medicação, o que se vende é a esperança de que o depressivo possa
rapidamente normalizar sua conduta sem ter de se indagar sobre seu
desejo", escreve Kehl. É como se buscasse uma pílula para se ajustar à
vida. Um desejo de ser normal.
O
uso de antidepressivos pode ter se tornado algo banal e muitas vezes
irresponsável. Mas sua popularização derrubou parte do medo de tratar a
depressão. Ficou mais fácil sair do armário e aceitar isso como uma doença
real. "Quando vi que tinha amigos da mesma idade tomando, perdi o
preconceito", diz Rachel. Os remédios deram aos depressivos uma dose de
esperança. E essa esperança ajuda tanto que pessoas que tomam só água com
açúcar achando que é antidepressivo relatam melhora de humor. O psiquiatra
americano Irving Kirsch analisou 38 testes clínicos com 3 mil participantes
que, separados em grupos, lidaram com a depressão de quatro formas distintas:
antidepressivos, remédio placebo, psicoterapia e nenhum de tratamento. Ele
constatou que, enquanto em média 75% dos sintomas de quem tomou remédio
melhoraram, 50% dos efeitos nos que só tomaram pílulas de açúcar foram
reduzidos.
Ou seja, só 25% da melhora seria mérito do remédio. Ainda assim, a
função dos remédios não pode ser ignorada: quando a tristeza foge do controle,
qualquer esperança serve como alento. O estilista Zanco Junior considera os antidepressivos
essenciais em sua vida. Ele toma há 13 de seus 30 anos, desde que teve uma
crise de pânico em um shopping de Presidente Prudente, São Paulo, onde morava.
Zanco já tentou largar os remédios, mas sentiu falta. Dormia mal, tinha
indisposição. "Vivo bem com eles, me ajudam a tocar minhas coisas",
diz. E, se tentou parar de tomar, é porque não quer passar o resto da vida sob
medicação. "Um dia quero deixar de tomar. Se ficar bem". Não é fácil.
Afinal,
outras questões da vida moderna também deixam o corpo mais cansado. A enxurrada
de informação com que lidamos todo dia não deixa o cérebro descansar, o que
aumenta as chances de pane. Viver em um ambiente desgastante, com mais tempo
dedicado a trabalho que a lazer é um atalho para a depressão. Para piorar,
essas mudanças são acompanhadas cada vez mais pela solidão. Segundo o IBGE,
mais de 12% das casas brasileiras só tem um morador - há dez anos, era menos de
9%. O número de solteiros também aumentou: 48% (ou 72 milhões) dos brasileiros
acima de 15 anos, uma alta de quase 16% em dois anos. Se somarmos a divorciadas
e viúvos, a parcela da população fora de um relacionamento sério chega a 60%. É
muita gente.
E os picos de depressão estão nesses grupos mais solitários:
solteiros, divorciados e viúvos. Em uma realidade tão propensa à depressão, é
preciso, antes de tudo, saber lidar com a tristeza.
O LADO BOM DA TRISTEZA
Vamos
deixar claro uma coisa: nem toda tristeza é ruim. Muitas fazem parte desse jogo
em que você entra no momento em que nasce. Ficar sem presente no Natal, sofrer
pelo galã da escola, ser reprovado no vestibular, perder um emprego, levar um
pé na bunda, brigar com um amigo, encarar a morte de alguém e tantas outras
mais fazem parte da vida. Todo mundo lida com elas, em maior e menor escala.
"Se existe um lado bom é que a tristeza nos torna um pouco mais sábios do
que no momento da euforia, quando a
gente fica meio abobado. É uma boa hora
para fazer um balanço", diz o psicanalista Mário Corso. A crise nos obriga
a sair da zona de conforto e abre o caminho para avaliarmos a vida por novos
ângulos e tomar rumos diferentes. O
problema é quando você não consegue superar a crise. Sem saber como reagir à
dor, mergulha numa tristeza que paralisa.
É o caso de Estela. Durante a doença
do marido, ela já havia começado a fazer tratamento psicológico e psiquiátrico
e participava de reuniões no grupo de apoio mútuo Neuróticos Anônimos. Ia às
reuniões só para vomitar a dor que sentia e sair aliviada. Mas o efeito não
durava muito, e a vida continuava um saco. Sentia dor mesmo quando algo bom
acontecia. Até que um dia ela decidiu não apenas falar, mas também prestar atenção
aos desabafos dos outros. Só aí percebeu que eles também tinham problemas e que
ela não estava sozinha. Sentiu carinho por elas.
Recuperou o amor próprio e
pelos outros, que a depressão havia levado embora. Deixou de se preocupar com o
pensamento e julgamento alheios e passou a se aceitar e a valorizar suas
vontades. "Tenho percebido que sanidade é quando você consegue admitir o
seu lado B, os seus defeitos", conta. Ela frequenta as reuniões até hoje.
Mas teve alta dos remédios.
Para
conseguir isso, ela aprendeu a lidar com a situação e, principalmente, a
reconhecer os próprios limites. O primeiro passo para se levantar do chão,
ainda machucada, foi reconhecer o próprio descontrole emocional. Ela
simplesmente deixava a raiva, o medo, a tristeza e outras emoções decidirem seu
rumo. Explodia. Mas isso só dificulta as coisas. Parou de sentir pena de si,
abandonou o papel de vítima. Nada poderia reverter seu trauma - mas a maneira
de lidar com isso poderia ser uma decisão dela. Voltou a ser protagonista da própria
vida. Hoje, Estela aprendeu a lidar com os dias ruins. "Eu respeito muito
a depressão. Tenho tanto medo dela quanto tenho do mar. Mas eu não deixo de
entrar no mar, e também não deixo mais de viver", diz.
Grupos
de apoio são uma boa saída para aprender a encarar o lado amargo da vida -
mesmo que você não esteja numa depressão profunda. "Tem gente que entra
aqui porque perdeu a namorada e não consegue ficar feliz. Mas depois passa,
fica bem, encontra outra pessoa e nunca mais volta", conta Estela. Essas
terapias em grupo funcionam tão bem quanto sessões com psicólogos que seguem a
linha cognitiva-comportamental, que tenta ajudar o paciente a ver as coisas de
outra forma, ou interpessoal, que foca nos problemas do presente. Essas duas
são as formas de psicoterapia com os melhores resultados no tratamento da
depressão. Ou seja, não dá para apostar todas as fichas nos remédios. Eles
podem resolver o lado bioquímico, mas o modo de lidar com os problemas ainda é
contigo.
Andrew Solomon, autor de O
Demônio do Meio-Dia, um livro autobiográfico sobre depressão, diz que tudo pode funcionar,
até tomar remédio de ponta cabeça. Basta acreditar nos efeitos positivos. E foi
por isso que ele encarou diversas terapias alternativas, desde tomar chá de uma
planta chamada erva-de-são-joão, hipnose, homeopatia até participar de um
ritual religioso em uma tribo africana. Alguns melhoraram o ânimo do escritor,
outros nem tanto.
Além
de Solomon, outras pessoas estão procurando alternativas para tratar a
depressão. No Brasil, um grupo de pesquisadores viu na ayahuasca uma
oportunidade. O chá à base de plantas amazônicas usadas em rituais religiosos,
que dá um efeito de bem-estar e tranquilidade, tem princípios ativos que agem
direto no cérebro e pode render no futuro novas linhas de antidepressivos.
"Os efeitos
terapêuticos observados com a ayahuasca são praticamente
imediatos, enquanto que as medicações disponíveis demoram duas semanas no
mínimo", explica Jaime Hallak, professor de medicina da USP Ribeirão Preto
e coordenador da pesquisa. Outra promessa farmacêutica é a cetamina, usada como
anestésico desde os anos 60. Os 120 pacientes do psiquiatra americano Carlos
Zarate que tomaram a droga tiveram melhoras rápidas e significativas. Em vez de
alterar os níveis de serotonina, dopamina e noradrenalina, a substância regula
a concentração de outro neurotransmissor, o glutamato - isso, por si só, já é
inovador: seria o primeiro antidepressivo, desde o Marsilid, a não interferir
na taxa dos dos três neurotransmissores de sempre.
Além disso, há novas
tecnologias que apresentam outras duas possibilidades: estimulação magnética
transcraniana, ondas eletromagnéticas que estimulam partes do cérebro - algo
como o filho prodígio do eletrochoque - e o neurofeedback, em que o paciente
faz atividades para treinar o cérebro, e sensores mostram em tempo real os
efeitos que restauram o equilíbrio do órgão.
Mas
não importam as técnicas, terapias ou remédios que você use, os perrengues da
vida vão voltar. Triste?
Lembre-se: é assim com todo mundo (e muito mais
intenso com os depressivos). Tentar encarar as adversidades ainda é essencial
para sair mais forte de cada crise. "Eu detestava estar deprimido, mas foi
também na depressão que aprendi os limites do meu próprio terreno, a plena
extensão da minha alma", escreveu Andrew Solomon. "A experiência da
dor, que é especial em sua intensidade, é um dos sinais mais seguros da força
da vida". Conhecer seus próprios limites e não ultrapassá-los torna a vida
mais leve - você passa a viver no seu tempo, sem forçar a barra. É encontrar
uma rotina que se encaixe em você. E não o contrário.
PARA
SABER MAIS – Indicação de livros
O Demônio do Meio-Dia
Andrew Solomon, Objetiva, 2010.
O Tempo e o Cão
Maria Rita Kehl, Editorial Boitempo, 2009.
The Emperor's New Drugs
Irving Kirsch, Basic Books, 2010.