"A dissolução da sociedade conjugal e a psicanálise"
"O fim de um casamento é uma das situações mais estressantes que um ser humano pode enfrentar, compreenda porque".
Este
artigo se propõe a discutir a contribuição da Psicanálise para o Direito, no
que se refere ao fim da sociedade conjugal. Para tanto se faz necessário
salientar as diferenças da concepção de sujeito para a Psicanálise, bem como
para o Direito. Além de verificar a interação das disciplinas na solução de
conflitos conjugais na pós-modernidade. A forte exigência de individualização do
mundo contemporâneo trouxe uma nova tônica para as relações familiares, fazendo com que os casais convivam em uma
tensão permanente, devido a exigências contraditórias entre um "eu
sozinho" e um "eu com". A revolução nos costumes abalou os
alicerces de uma instituição que parecia sólida e duradoura, o casamento.
A
sociedade mudou e com ela evoluiu o conceito de família. Aquela família convencional, em que maridos e
mulheres viviam juntos até que a morte os separasse, ainda é forte, mas está
perdendo terreno numa velocidade assombrosa. Analisaremos, também, a
importância da mediação para a solução de conflitos familiares, visando
diminuir o sofrimento daqueles que vivem o processo de dissolução da sociedade
conjugal.
1 – INTRODUÇÃO
Os
casamentos e os relacionamentos em geral já não são mais tão duradouros. Este
fenômeno teve início a partir do período Pós-Guerra, com o fim das categorias
universalizantes, com a queda do sentido da tradição e também com a
desconstrução dos paradigmas da modernidade, tudo isso, levou aos casamentos e
as outras formas de família a se dissolverem com maior facilidade moral e
jurídica.
A
busca da felicidade e a família fundada na afetividade são os fundamentos que
passam ser considerados em todos os relacionamentos, não há mais porque permanecer
numa relação que traga mais conflitos que alegrias. As características da
contemporaneidade, dentre elas ressalta-se a instantaneidade, a ambivalência, a
fluidez e precariedade nas relações, a fragmentação, o individualismo e o
consumismo, muito contribuíram para o enfraquecimento dos laços familiares.
Neste
artigo procura-se compreender como as pessoas lidam com o fim da sociedade
conjugal, e a interligação do direito e a psicanálise neste processo, que
abrange o antes, ou seja, a possibilidade de rompimento, o durante e o depois
desse rompimento.
O que se indaga não são as
causas e consequências dos divórcios, mas sim se diante de novas formas de
relacionamento da sociedade contemporânea, haveria também novas formas de lidar
com o processo da separação conjugal no mundo contemporâneo?
2 - A PSICANÁLISE E O
DIREITO DE FAMÍLIA
Direito
é a norma de conduta imposta por autoridade coatora. Isto porque a relação
entre os indivíduos de uma comunidade deve se basear no princípio da justiça.
Já
a psicanálise é método de investigação teórica da psicologia,
desenvolvido por Sigmund Freud, médico neurologista, que se propõe à compreensão e análise do homem,
compreendido enquanto sujeito do inconsciente.
Ou seja, ciência que estuda o comportamento e os processos mentais dos
indivíduos. Afirmam
os doutrinadores que a Psicanálise tem por objeto a personalidade normal e a
personalidade anormal, sendo na realidade o estudo da alma humana.
A
teoria psicanalítica criou uma revolução tanto na concepção como no tratamento
dos problemas afetivos. Há um grande interesse pela motivação inconsciente,
pela personalidade, pelo comportamento anormal e pelo desenvolvimento infantil. Na
verdade, direito e psicanálise estão presentes em todos os momentos da vida do
homem. O Direito atua diante do fato gerado pelos atos do homem e sua
repercussão na sociedade. A Psicanálise procura desvendar os impulsos que
antecedem aos atos para chegar à razão que deu origem aos mesmos. Para
Groeninga, "cabe aos psicanalistas sensibilizar os que lidam com o Direito
para as questões de família, permitindo uma compreensão mais ampla dos
conflitos e do sofrimento". (GROENINGA, 2004, p.144)
Freqüentemente,
o indivíduo traz uma demanda jurídica com pedidos objetivos, tais como: o divórcio consensual ou litigioso, a
pensão alimentícia, a guarda dos filhos, as visitas, a divisão de bens e
cabe ao judiciário encontrar uma saída para regulamentar à convivência
familiar. A psicanálise, neste contexto, proporciona um tipo de escuta que leva
o sujeito a refletir sobre suas queixas, e a se responsabilizar por elas,
deixando de remeter ao outro muitas vezes aquilo que é seu.
O
direito não enxerga o sujeito da mesma forma que a psicanálise. Ambos lidam de
forma diferente com o mal-estar. De acordo com Souza, o sujeito jurídico é visto como aquele provido de razão, detentor do
livre arbítrio, aquele que tem consciência de seus atos e pode controlar
suas vontades, capaz de discernir o que é proibido do que não é, assumindo as
punições que lhe são cabíveis, servindo para os outros como modelo, já que nem
todos os desejos são permitidos. (SOUZA, 2004)
Certo
é que para se viver em sociedade os homens têm que se submeter às leis, que
geram restrições, porém algo sobra, ou escapa, o que causa um mal-estar. As
leis foram impostas em nossa sociedade com a finalidade de estabelecer normas
para uma boa convivência com as pessoas que nos rodeiam. Entretanto na grande
maioria das vezes acabamos por nos tornar dependentes e submissos a ela. Se
existe a lei é porque existe o desejo.
Encontros e desencontros
fazem parte da vida do sujeito. Em algum momento ele encontra aquele outro idealizado, que o completa, o faz falta e
passa a dar sentido a sua vida, mas muitas vezes esta mesma realidade pode
levar o sujeito a um sofrimento de perda diante de uma situação expressa em uma
separação.
A
mediação surge como uma nova forma de ajudar a resolver as questões judiciais
familiares, divórcio, guarda de filhos, partilha de bens. É o mediador que
possibilita que o sujeito perceba sua subjetividade, promovendo a sua
reconstrução frente à vida, para que ele
veja saídas nele próprio e não no "outro", ou seja, o sujeito vai
buscar soluções para seus conflitos de uma forma singular.
Outro
aspecto importante é que a dissolução da sociedade conjugal também pode gerar obstáculos à constituição da criança. Isso
quando esta é objeto de disputa dos pais, que se esquecem ou não assumem o
papel definitivo de pai e mãe, e se preocupam apenas com seus ressentimentos.
Nesses casos, os casais são convidados a trabalhar e buscar alternativas para
que consigam conduzir a vida após o divórcio; e este processo é conduzido pelo
mediador, que prepara o caminho e têm como objetivo resgatar o respeito e
propiciar um espaço onde o diálogo possa existir.
Sabe-se
que tanto o direito quanto a psicanálise privilegiam o discurso e é através da
mediação que o profissional pode utilizar-se da Psicanálise para chegar até o
sujeito. A mediação perpassa pelo discurso, que solicita uma intervenção ao
nível do real dos grupos, dos parceiros e não ao nível de um "problema
social". O mediador sabe que existe o conflito, mas não o enfatiza como
uma guerra e sim como melhor resolvê-lo. Esse é o desafio, conjugar a
psicanálise o direto. Aqueles que estão implicados nesta abordagem encontram-se
numa posição de produzir saídas aos impasses apresentados, ou seja,
"conjugar norma jurídica e subjetividade para o Direito e inconsciente e
responsabilidade do sujeito para a Psicanálise". (BARROS, 1997, p. 832).
Assim,
a Psicanálise, na área do contexto Judiciário, pode ser utilizada amplamente,
promovendo discussões com a possibilidade de uma intervenção na estrutura
familiar e social do sujeito.
3 - A EVOLUÇÃO DO INSTITUTO
DA FAMÍLIA E O FIM DA SOCIEDADE CONJUGAL PARA A PSICANÁLISE
O
instituto da família, seja qual for sua forma de constituição, estrutura a
formação e o desenvolvimento do indivíduo e viabiliza a realização de sua
felicidade. Groeninga afirma que "a família é um sistema de relações que
se traduz em conceitos e preconceitos, idéias e ideais, sonhos e realizações.
Uma instituição que mexe com nossos mais caros sentimentos" (Groeninga 2004,
p.258).
A
união de um casal implica na partilha sonhos, sentimentos e ambições. Tais
objetivos são conduzidos por um sentimento dominante de felicidade e
expectativa em relação ao futuro e aos frutos a que o mesmo dará origem. Os
momentos vividos em comunhão redundam em prazeres
(amar, acarinhar, rir...) e desprazeres
(chorar, brigar, julgar...) e exigem posturas próprias do ser social, ou seja,
daquele que não quer ou não pode viver sozinho (ouvir, conversar, ceder...).
Segundo Ana Souza, tudo isso faz parte
das relações entre humanos, constituindo processos de crescimento, de
conhecimento inter e intrapessoal que apenas servirão para fortalecer
laços.
Para
Freud, a gênese de qualquer enamoramento é narcísica. É que o amor consiste em supor o ideal de si
mesmo no outro. Assim criamos uma imagem ideal naquele a quem elegemos como
objeto amoroso, que vem justamente completar o que falta em nós, para
chegarmos ao ideal sonhado (PEREIRA, 2000, p. 70).
A
forma mais tradicional em nossos tempos de constituição de família é o
casamento. Seu papel transcende os aspectos religiosos e jurídicos, pois como
aludido anteriormente é, para muitos, o veio condutor à felicidade plena. Como
bem assevera Rodrigo da Cunha: Apesar das mudanças de valores, da revolução
feminista, da separação entre Igreja e Estado (1891), o casamento constitui-se em um ideal, no qual se depositam esperanças,
sonhos e o desejo de viver juntos para sempre. Reproduz e constrói as
regras de uma cultura e, acima de tudo, monta uma estrutura familiar (PEREIRA,
2000, p. 63).
Porém,
ao longo do século XX, transformações históricas, culturais e sociais levaram
ao direito de família a seguir novos rumos, a fim de se adaptar a nova
realidade da pós-modernidade e a Constituição Federal de 1988 absorveu essa
transformação, adotando a entidade familiar plural, permitindo, assim, várias
formas de constituição. Ao lado do casamento, o constituinte reconheceu
juridicidade à união estável entre um homem e uma mulher.
Portanto,
a instituição familiar evoluiu ao longo dos tempos, passando por algumas
fases e tomando diversos rumos de transformação até culminar com o modelo da
família moderna, baseada fundamentalmente nos laços de afeto.
Atualmente,
vive-se a fase da dessacralização do casamento, que dá enfoque à facilidade do
rompimento do vínculo conjugal, nos direitos resguardados do concubinato, bem
como no tratamento igualitário entre filhos legítimos e ilegítimos. Percebe-se
que a evolução da estrutura familiar caminha para relações baseadas, cada vez
mais, no sentimento e na afeição mútua.
A sociedade concebe que a
família deve servir de instrumento para o bem estar de seus membros e não
servir apenas como modelo formal a ser imposto aos indivíduos que em torno dela
convivem, muitas vezes, infelizes rodeados de tanto conservadorismo e de tantas
pressões.
Assim,
nesse mundo de furiosa individualização, os desejos conflitantes trazem para o
relacionamento um sentimento de
insegurança. É a oscilação entre o sonho e o pesadelo, não sendo possível
determinar quando um se transforma no outro, já que na maior parte do tempo,
coabitam. Surgem, portanto, as crises conjugais.
A
crise que redunda no divórcio é verificada não somente nessas circunstâncias
cabais, mas ao longo da convivência familiar. Nesse sentido as crises são
condições mesmo de sua existência, e a passagem de seus ciclos vitais acompanha
a mudança etária de seus membros. Como o tempo da evolução, a família está sempre em constante mudança
e, como o tempo das estações, seu clima afetivo sofre variações. Mudança e
crise que se permitem existir dada sua natureza indissociável da de humanidade
– de instituição estruturante e estruturada pelo humano. (GROENINGA, 2004, p.
252)
O
divórcio constitui um momento especial de crise na vida das pessoas envolvidas.
Ana Souza caracteriza esta situação, na qual ocorre uma reação de luto (sentimentos
de depressão, tristeza intensa, dúvidas, instabilidade de humor, entre outros)
pelo fim da relação, por pior que esta estivesse. É frequente, que mesmo no
período que antecede a separação, o indivíduo se sinta repleto de dúvidas, com alguma dificuldade em pesar os prós e
contras da situação, por todo o descontentamento inerente, havendo, por exemplo, o medo e a incerteza perante o futuro sem
o cônjuge, ou mesmo, por parte de quem toma a iniciativa de se separar, o
desenvolvimento de um sentimento de culpa, principalmente quando da
presença de filhos e/ou se o parceiro se demonstra bastante fragilizado com a
perspectiva de separação. Independentemente
da duração da separação, só ao fim de um determinado período de tempo é que o
ex-parceiro poderá, eventualmente, ser encarado de forma neutra, ou seja,
poderá ocorrer uma dissipação dos sentimentos de raiva, descontentamento, por
exemplo.
No
entanto, este processo poderá ser mais ou menos prolongado e doloroso, sendo
que, o recurso a técnicos especializados não é tão pouco frequente quanto se
julga, pois é normal que, em dadas circunstâncias, uma pessoa conclua que, por
si própria, não está a conseguir "sair" da situação, não porque seja melhor
ou pior que outrem, apenas o factor emocional inerente poderá dificultar este
processo. (SOUZA, 2007)
A psicologia nos esclarece
que o temor do divórcio é uma constante na vida do ser humano, desde o seu
nascimento,
quando se vê separado do conforto materno pelo corte do cordão umbilical. O
início da fase adulta que simbolicamente representa a separação com os pais, a
perda de amigos e parentes pela morte ou distanciamento natural dos mesmos,
enfim, seja qual for à circunstância, o desconforto da separação será
identificado, de maneira mais ou menos intensa. Para Rodrigo da Cunha Pereira
Talvez
uma das mais difíceis formas de separação seja a da conjugalidade. Separação de
casais significa muito mais do que isso. Significa desmontar uma estrutura e perder
muita coisa. Perder estabilidade, padrão de vida,status de casado etc. A dor maior nessas separações é a de nos
confrontarmos com a nossa solidão e contatar que não temos mais aquele outro
que pensávamos nos completar, a quem onipotentemente insistimos em
completar. Embora saibamos, pela razão, que somos seres de falta e que o outro
pode ser apenas o tamponamento de nossa solidão, insistimos sempre na
completude do ser. Pura ilusão! (PEREIRA, 2000, p. 68)
A
dissolução da sociedade conjugal vem se tornando hábito cada vez mais freqüente
nas sociedades ocidentais [01]. Seguindo esta tendência o Ordenamento
Jurídico vem facilitando cada vez mais os procedimentos formais a serem
seguidos e, ainda, que haja em nossa sociedade resquícios de moralidade que impõe
a manutenção da relação a qualquer custo, o que prevalece é a mudança de
paradigma do que vem a ser a felicidade.
Tomando
o conhecimento da psicóloga e psicanalista Groeninga
A
partir da descoberta de Sigmund Freud, de um inconsciente que é estruturado com
uma lógica que é própria, tivemos acesso a outro sujeito alem do sujeito de
direito – o sujeito do desejo. Buscamos a integração diferenciada desses dois
sujeitos, ou melhor, desses aspectos de um mesmo sujeito, e não mais a
disjunção. (GROENINGA, 2004, p. 252)
Segundo
Pereira (2000, p. 66), é justamente o desejo o sustento do laço conjugal,
entretanto, este sentimento implica em uma necessidade constante de renovação.
Em outras palavras, como diria Lacan "Desejo é o desejo do desejo".
Fisiologicamente, desejo é sempre estar desejando outra coisa. Nesse sentido,
difícil seria conceber um casamento ou qualquer outra relação de forma
duradoura.
A
interferência de ordem jurídica em conflitos dessa natureza se faz necessária,
por questões de ordem, especialmente patrimoniais, mas deve se estabelecer de
maneira delicada, vez que envolve dores,
mágoas, frustrações, sofrimentos das pessoas que vivem tais situações.
O
operador do direito de um modo geral tem a responsabilidade de adequar à
solução do conflito e não, simplesmente, a responsabilidade de ganhar uma
causa. É sabido que a demanda familiar não comporta vencedor e vencido. O
tratamento especial que enseja a análise de conflitos como separação, divórcio,
a luta pela guarda dos filhos, pensões e partilhas é tarefa impõe ao operador
do direito a utilização de conceitos e práticas de outras ciências e
disciplinas indispensáveis à sua perfeita compreensão, pressuposto necessário
da sua solução. Uma das ciências complementares à atuação do advogado
familiarista é exatamente a
Psicanálise.
Segundo Martorelli:
Essa
parceria permite discriminar as diferenças lógicas no trato do conflito, não se
limitando à lógica do litígio, torna possível ao advogado perceber o texto e
contexto do conflito, a linha e a entrelinha do litígio, a mensagem do
inconsciente, que chega pelo discurso das demandas, na maior parte das vezes,
de forma distorcida ou travestida de outras que uma escuta qualificada é capaz
de evidenciar. Freudianamente, é escutar o que está por detrás do discurso ou,
como Lacan, o que está entre o dito e o por dizer. Só através de uma análise
interdisciplinar podemos incorporar idéias psicanalíticas ao conceito
tradicional de família em
Direito,
vendo-a como uma Estruturação Psíquica. As relações familiares são intricadas e
complexas, pois comportam elementos objetivos (jurídicos e normativos) afetivos
e inconscientes. Perceber as sutilezas que as entremeiam é transcender o
elemento jurídico, para resolver de maneira menos traumática, mais rápida e
menos onerosa os problemas que nessa área são apresentados. (Martorelli, 2010)
Pode-se,
ainda, conceber a possibilidade de um processo de separação não levar a
situação às vias de fato. Isso seria possível a partir do momento em que os
casais ultrapassarem o mito da conjugalidade e superarem a falsa idéia de que
os dois fazem um. O amor que respalda a conjugalidade só terá êxito se forem
respeitadas as diferenças e as individualidades (PEREIRA, 2000, p. 66)
Nos
casos em que o fim da relação é inevitável, o que nem sempre é fácil de se
admitir, convém que se estabeleça o sentimento de conformação, afinal o fim da
relação não coincide com o fim da possibilidade de ser feliz, mas com o fim de
um ideal, dentre tantos que a vida pode oportunizar.
O
sistema jurídico brasileiro vinha adotando duas medidas dissolutórias do
casamento: separação judicial (substituindo o velho instituto do desquite) e
divórcio. Apesar de serem institutos distintos, tem a mesma finalidade, qual
seja, findar o casamento. Há que se observar a separação põe termo ao
casamento, mas não o dissolve.
Importa
esclarecer que na abordagem em estudos psicológicos, separação e divórcio são
usados como sinônimos, pois não se trata do aspecto legal, mas sim do processo de separar-se emocional e
psiquicamente do outro. Serpa (1999) denomina esse processo de divórcio
psíquico.
O
denominado divórcio psíquico coroa a separação, e é caracterizado por sentimentos de aceitação, em primeiro
lugar. Logo em seguida, dá-se a reconstrução da autoconfiança, nova
energização, autovalia, compleitude e, principalmente independência e autonomia.
É o recomeço de uma nova vida, porque o divórcio é interrupção de todos os
planos e realizações dos cônjuges. Significa a frustração de todas as
expectativas anteriores, o que vale dizer, a morte. (SERPA, 1999, p. 379)
Fato
é que a indissolubilidade do casamento estabelecida no CC/16 fora superada com
o advento do divórcio, que teve sua estrutura alterada e consideravelmente
simplificada pela carta constitucional de 88.
Muito
bem esclarece Farias (p.2-3,) que:
Separação
e divórcio prestam-se a um só fim: encerrar aqueles casamentos em que o afeto
deixou de ser o pilar de sustentação, suplantado por sentimentos outros, que
jamais podem ser sopesados. Não se justifica, pois, a opção do legislador
brasileiro de manter regras próprias para a separação judicial – impondo um
sistema fechado, rígido e com causas específicas, discutindo a culpa, a saúde
mental e a falência do amor – e admitindo o divórcio submetido a um único
requisito objetivo (e não poderia ser diferente, em face da incidência da norma
constitucional). É a subversão do universal princípio de que quem pode o
mais, pode o menos. A dissolução do vínculo, estranhamente, é obtida com mais
facilidade do que o simples término dos deveres conjugais, traduzindo uma
verdadeira incoerência do sistema jurídico.
Os
princípios consagrados na CR/88 e a afirmação de inúmeros valores relacionados
à pessoa humana afastaram o instituto do casamento e os mecanismos de sua
dissolução da patrimonialidade, passando a se estabelecer a partir da
afetividade.
Assim,
se a base da relação conjugal, o afeto, deixa de existir, sem razão a discussão
de qualquer outra causa que justifique a dissolução do casamento, como a culpa,
por exemplo, salvo por questões de ordem prática, como alimentos e uso do nome
de casado.
Segundo
Farias, a perspectiva constitucional que se impõe ao instituto da família, o
afasta de certa forma, do caráter de mera instituição jurídica e o estabelecem
como instrumento de afirmação da realização pessoal do ser humano, valorizados os seus aspectos espirituais
e o desenvolvimento de sua personalidade, em combate a feição patrimonial, até
então predominante.
Segue
afirmando que:
Daí a necessidade de uma visão essencialmente funcionalizada
da família, como o locus privilegiado para o desenvolvimento da
personalidade e afirmação da dignidade de seus membros. A família, forjada na dignidade
da pessoa humana, passa a atender uma necessidade vital: ser feliz. E é a partir deste impostergável direito de ser
feliz que se edifica "uma nova concepção de família, informada por laços
afetivos, de carinho, de amor, constrói-se
o paradigma do desamor, no qual ninguém é obrigado a viver com quem não
esteja feliz, preponderando o respeito e a dignidade da pessoa humana".
(FARIAS, 2004, p. 8,)
Segundo
RODRIGO DA CUNHA PEREIRA, "no casamento, quando se depara com o cotidiano,
e o véu da paixão já não encobre mais os defeitos do outro, constata-se uma
realidade completamente diferente daquela idealizada". (PEREIRA, 1999,
p.326)
Diante
das frustrações, a felicidade e as demais realizações saem do cenário conjugal e dão lugar às traições, injúrias, maus
tratos, agressões físicas e psicológicas e, sem análises pormenorizadas, o
cônjuge que assim agiu torna-se aos olhos da sociedade o responsável ou culpado
pela perda da felicidade e conseqüente ruptura do vínculo conjugal.
Olhando
do ponto de vista da Psicanálise, não
existem culpados pela separação. O casamento é uma construção cultural.
Cada cônjuge é um sujeito que entra para o casamento trazendo seus costumes,
suas heranças familiares. Cada cônjuge sofreu a instituição da Lei de uma forma
diferente. Cada um vem para o casamento com suas heranças, seus significantes,
resultado do modo como sofreu as interdições pelo exercício das funções paterno
e materno para se constituir em sujeito. E isso pode tornar difícil ou
impossível o entendimento. Por isso, resumindo, para a Psicanálise não existe
um culpado pela separação.
Os
estudos cruzados de Direito e de Psicanálise auxiliam os juristas nas soluções
de casos jurídicos, especialmente na área do Direito de Família. Mas é preciso
não confundir as coisas para não praticar injustiças.
A Psicanálise isenta o
sujeito de culpa por ato praticado. Mas não o isenta da responsabilidade. Para o jurista falar em
responsabilidade é falar em culpa (culpa penal, culpa civil, culpa contratual,
culpa conjugal, etc.). Necessário explicitar que o conceito de responsabilidade para
a Psicanálise não é o mesmo utilizado pelo Direito.. Pode o sujeito,
para a Psicanálise, não ser culpado, mas ser responsável.
Jacques
Lacan em seu texto "A Ciência e a Verdade" (1965) deixa muito
clara essa questão:
Da
nossa posição de sujeitos somos sempre responsáveis. Que chamem isto, onde se
quiser, de terrorismo. Eu tenho o direito de sorrir, pois não é em um meio onde
a doutrina é abertamente matéria de transações, que eu temeria ofuscar alguém
formulando que o erro de boa-fé é, de todos, o mais imperdoável. (apud Barros,
1997, p. 832).
Não há necessidade de
atribuir culpa ao outro. Terminou o amor, terminou o afeto. Basta isso. É assim que entendemos.
Atualmente, não há culpados nem para o direito, nem para psicanálise.
FACHIN
(p.179, 1999) "afirma que não tem sentido averiguar a culpa com motivação
de ordem íntima, psíquica", uma vez que a conduta de um dos consortes,
violando deveres conjugais é apenas um "sintoma do fim. Nesse sentido
afirma-se que é impossível a identificação objetiva do culpado pelo insucesso
do casamento, como se tivesse sido praticado um ato ilícito, "a menos que
se pretendesse, por absurdo, fixar um standard médio de performance
sexual, ou um padrão ideal de fidelidade, cujo não atendimento pudesse ser
considerado como ilícito (TEPEDINO, p.379, 1999).
Atribuir a culpa pelo
fracasso da relação ao outro consiste em tentar se eximir de qualquer
responsabilidade e criar justificativas para si mesmo. Ao mesmo tempo, permite
assumir o papel de vítima diante do outro e da sociedade. Afirmar-se na
condição de desamparado, seja emocionalmente, seja financeiramente, cria no
indivíduo a sensação de hipossuficiência, o que geralmente, desperta nas
pessoas de sua convivência uma postura consoladora, assistencial, que conforta
o mesmo.
Não
é possível perquirir acerca dos dramas, fracassos e desilusões na relação
conjugal. Tudo não passa de um conjunto de fatores que se sedimentam ao longo dos anos de convivência e que
resultam da conduta de ambos no relacionamento.
Pertinente
a colocação de FARIAS (p. 17) quando assevera que: os atores processuais (juiz,
promotor, defensores públicos e advogados) não podem ser transformados em
verdadeiros "investigadores do desamor", como se estivessem na
frenética procura de um perigoso criminoso que coloca em risco a incolumidade
de toda a sociedade. Aliás, vale lembrar uma passagem bíblica, para afastar a
averiguação da culpa: atire a primeira pedra quem não tiver pecado.
(FARIAS, p. 17, )
O
amor (ou melhor, a perda do amor),
jurado solenemente por ambos os consortes, não pode ser julgado pelo
Estado-juiz. Apesar da crueldade da comparação, admitir uma separação judicial
discutindo a culpa de um dos cônjuges assemelha-se à propositura de uma ação
para discutir o descumprimento das obrigações pactuadas em negócios jurídicos.
Como se o amor e o afeto pudessem ser igualados a meros deveres obrigacionais,
negociais. (FARIAS, 2004, p. 19,)
Ainda
que se identifique o responsável pela separação, cuja conduta redundou na
insatisfação da outra parte, não seria seguro afirmar o caráter culpável de tal
conduta. Como afirmar o que é certo ou
errado no contexto de uma relação repleta de subjetividades.
Não
está longe o tempo em que, muitas vezes, as ciências, Direito e Psicanálise
inclusive, utilizando o disfarce da pseudoneutralidade científica, tentavam
adequar a família e o indivíduo aos seus próprios paradigmas. Visões que
buscavam prescrever o certo e o errado em uma visão binária, maniqueísta,
moralizante, muitas vezes mais de acordo com princípios estranhos à ética e à
ciência, de origem política, religiosa e/ou moral – provavelmente visões
movidas por afetos dissociados do pensamento. (GROENINGA, 2004, p. 258-259)
Várias
são as razões que levam à discussão da culpa no término da relação conjugal.
Poderíamos apontar a traição ou a manutenção de relação extraconjugal ou
paralela à relação oficial eventual ou habitualmente, o chamado débito
conjugal. As noções de casamento têm em sua essência elementos caracterizadores
da comunhão de vida que proíbe relações sexuais fora do casamento.
Somos seres humanos
complexos que, quando confusos, buscamos na simplificação um alívio para a
angústia em ser humano. E a parte mais completa está justamente em nossos afetos, tão
ricos e indefiníveis responsáveis pelas imprecisões da linguagem. Na tentativa
de simplificar e mesmo de nos afastar dos afetos, buscamos a objetividade e um
ideal de neutralidade, que mesmo nas ciências exatas não mais se tem.
A
questão dos afetos merece ainda atenção especial, pois talvez, pela resistência
que tenhamos em reconhecer as qualidades agressivas, que todos nós possuímos,
tendemos, no senso comum, e mesmo pela herança filosófica, a equiparar o amor e
o afeto. Muitas vezes idealizando a família como reduto só de amor. Idealização que se quebra quando nos
defrontamos com a violência dos conflitos familiares. A função da família
está mais além do amor – está em possibilitar as vivências afetivas de forma
segura, balizando amor e agressividade, inclusive para que as utilizemos como
matéria prima da empatia, capital social por excelência.
Groeninga
(2004, p. 260) cita explicação freudiana, segundo a qual evidências
psicanalíticas demonstram que a maioria das relações íntimas e duradouras (casamento, amizade, filiação), são
compostas de sentimentos de repressão e hostilidade, que resultam na repressão.
A
sociedade contemporânea com suas características próprias, marcantes e muitas
vezes contraditórias, tais como a instantaneidade, a ambivalência, a fluidez, a
fragmentação, o individualismo e o consumismo trazem alterações nas formas das
pessoas se relacionarem.
A
conjugalidade passa a ser marcada pela importância da qualidade da relação,
pela afinidade e intimidade. Existe uma grande idealização dos relacionamentos,
que devem fundamentar sua existência no amor entre os parceiros e sendo este
sentimento efêmero, aumenta a
insegurança e a falta de garantias em relação à durabilidade.
Também
ganha cada vez mais importância a
vivência prazerosa da sexualidade, uma vez que a sociedade é regida acima
de tudo por leis de mercado que disseminam imperativos de bem-estar, prazer e
satisfação imediata de todos os desejos.
A
imediaticidade e a instantaneidade, comprovadamente trazem implicações para as
relações amorosas principalmente em relação à conciliação dos projetos
individuais de cada um com os projetos comuns ao casal. Além disso, há uma dificuldade para os casais de
formularem projetos em longo prazo, vivendo-se o presente, sem planejar muito o
futuro.
Outra
importante característica que mexeu na estrutura do instituto família é a
igualdade entre homens e mulheres, que legitima a livre escolha do par amoroso.
No cotidiano, as escolhas tendem a serem cada vez mais subjetivas,
individualizadas, marcadas por traços importantes do momento contemporâneo,
traços apontados como sendo as principais características da Pós-modernidade.
Dentre
os acontecimentos que influenciam a vida dos casais na atualidade, dois são
destacados: a queda do patriarcalismo como ideal social e o movimento
feminista. Tais eventos trouxeram transformações em diferentes áreas da vida
pública e privada, como por exemplo, da sexualidade e aspirações profissionais.
Portanto,
num mundo frágil e imediatista, os laços humanos se constituem precariamente. A
fluidez da pós-modernidade se revela através da vulnerabilidade,
instantaneidade, efemeridade e precariedade das relações humanas. As pessoas
estão desconectadas, sem redes de relação de apoio, sentindo-se perdidas e
necessitadas de criar laços afetivos.
Diante
do exposto, pode-se indagar: Seria o fim
das famílias felizes? Não.
É
a forma como a sociedade se tem adaptado ao novo padrão familiar. A idéia de
que casamentos não vão necessariamente durar para sempre é cada vez mais aceita
entre os diversos grupos e classes sociais. Até alguns anos atrás, o divórcio era um estigma que marcava pais
e filhos para o resto da vida. Expressões como "mulher
divorciada" ou "filho de pais separados" eram pronunciadas em
voz baixa e de forma pejorativa. Crianças que viviam nessa condição eram muitas
vezes proibidas de freqüentar determinadas escolas e consideradas má companhia
para os filhos de pais casados.
Antes, o amor entre marido
e mulher acabava depois de alguns anos de casamento, mas eles continuavam
vivendo juntos, e infelizes, em nome da unidade da família e de uma suposta felicidade dos
filhos. Havia uma pressão enorme da Igreja e da sociedade para que essas regras
não fossem quebradas.
A
qualidade do relacionamento não podia ser questionada, mesmo que o casamento
estivesse muito ruim. Hoje se sabe que,
para os filhos, é melhor viver com pais separados que lhes dão afeto e carinho
do que permanecer em famílias destroçadas.
A
maior aceitação do divórcio pela sociedade tornou mais fácil a vida de crianças
e pais separados. Mas é ilusão achar que
exista separação sem dor e sofrimento. O fim de um casamento é uma das situações
mais estressantes que um ser humano pode enfrentar.
Para
os pais, envolve projetos de vida interrompidos, nos quais ambos os cônjuges
investiram muito, em emoções, em afeto e
também em recursos materiais. Para as
crianças, significa lidar com emoções desconhecidas, na maioria das vezes
traumáticas, como viver sem a presença de um dos pais, conviver com um quase
estranho que de repente apareceu para ficar, ter duas casas para passar o fim
de semana, entrar em contato com crianças que nunca viram e que, esperam os
pais, sejam amadas como se fossem irmãos e irmãs. Tudo isso é muito difícil. O poder aquisitivo da família também cai.
"Separar
deixou de ser uma catástrofe", diz o psicanalista paulista Leopold Nosek.
"As relações ficaram mais
transparentes e todos têm muito a ganhar." Alguns estudos apontam até
vantagens nessas mudanças. Em muitos casos, filhos de pais separados tendem a
desenvolver relações sociais mais ricas e criativas.