“E enfrentando as perdas que os anos de vida trazem consigo, sofremos, choramos, crescemos e nos adaptamos: cada perda em cada estágio da vida comporta uma lição, uma oportunidade de crescimento e transformação, indefinidamente... até o último suspiro”.
Durante
todo nosso processo de crescimento, as perdas são abrangentes, pois perdemos
não só pela morte, mas também por abandonar e ser abandonado, por mudar e
deixar coisa para trás e seguir nosso caminho. Segundo a pesquisadora
norte-americana Judith Viorst, autora do livro "Perdas Necessárias", nossas
perdas incluem não apenas separações e partidas dos que amamos, mas também a
perda consciente ou inconsciente de sonhos românticos, expectativas
impossíveis, ilusões de liberdade e poder, ilusões de segurança – e a perda do
nosso próprio eu jovem, o eu que se julgava para sempre imune às rugas,
invulnerável e imortal. Perdas são necessárias porque para crescer temos de
perder, abandonar e desistir. A estrada do desenvolvimento humano é pavimentada
com renúncia.
Ao longo da vida, crescemos desistindo e só através de nossas perdas nos tornamos
seres humanos plenamente desenvolvidos. Sendo assim, para compreender nossas
vidas precisamos compreender como enfrentamos nossas perdas, onde a
auto-compreensão pode ampliar o campo das nossas escolhas e possibilidades.
Começar a perceber como nossas respostas às perdas moldaram nossas vidas pode
ser o começo da sabedoria e de uma mudança promissora. As respostas às perdas
nos dão uma nova visão do que é a liberdade: “liberdade começa quando reconhecemos o que é possível – e o que não é.”
As liberdades que perdemos, nossas restrições e tabus são perdas necessárias –
parte do preço que pagamos pela civilização.
Todas
as nossas perdas estão relacionadas com a "Perda Original, que é a conexão mãe-filho, que pode ter reflexos no
decorrer de toda nossa vida”. Se as separações não forem bem resolvidas,
ressalta, elas podem deixar cicatrizes emocionais no cérebro, porque atacam a
conexão humana essencial: o elo
mãe-filho que nos ensina que somos dignos de ser amados. Não podemos nos
tornar seres humanos completos sem o apoio dessa primeira ligação. A dimensão
narcísica na relação entre mãe e filha: quando “viver junto é impossível e
separar-nos é mortal”.
“...a dimensão narcísica nas relações familiares mais especificamente na relação mãe-filha, considerando o narcisismo como um conflito intrapsíquico ou seja um
modo de funcionamento do sujeito que remete ao amor do ego por si mesmo, mas que
precisa ser confirmado por um investimento do outro. Em algumas dinâmicas
transgeracionais essa relação pode cristalizar os membros da família
tornando-os reféns de uma situação da qual não se vê possibilidades de saída”. (Hayd e Faimberg - 2001)
O narcisista pode
também sentir-se vazio ou deprimido, sempre que perde os objetos idealizados do
próprio eu. Tendo feito deles a fonte de tudo o que é poderoso e feliz,
sente-se agora desamparado e vazio sem eles. E pode procurar fugir desse vazio recorrendo a drogas ou ao
álcool, a frenéticas conquistas sexuais, a passatempos perigosos. Ou pode
procurar o refúgio narcisista comum de algum culto religioso, onde o
“envolvimento total, a rotina infindável, canto compulsivo e a meditação
ritual” ajudam a encher “vazios quase inimagináveis”…
No centro dessas
falhas narcisistas existem experiências com pais indiferentes: pais que não
podiam ou não queriam ser acessíveis, pais que rejeitavam, desaprovavam ou
desapontavam, ou que simplesmente não se interessavam. Cynthia Macdonald, no seu impressionante poema realizações, registra a aflição de uma filha tentando
conseguir a confirmação da mãe:
Ela
disse: bonito, eu acho.
Então
pintei outro, segurando o pincel com os dentes.
Veja,
mamãe, sem as mãos. E ela disse:
Acho
que alguém poderá admirar isso, se souber
Como
foi feito, e se se interessar por pintura, o que não é o meu caso.
Com
a Filarmônica de Buffalo.
Minha mãe foi ouvir e disse:
Bonito,
eu acho.
Então
toquei com a Sinfônica de Boston
Deitada
de costas e usando os dedos dos pés.
Veja,
mamãe, sem as mãos. E ela disse:
Acho
que alguém poderá admirar isso, se souber como foi feito,
e
se estiver interessado em música, o que não é o meu caso.
Ela
disse: acho que está bom.
Então
fiz outro, batendo com minha respiração
E
servindo-o com os cotovelos.
Veja,
mamãe, sem as mãos. E ela disse:
Acho
que alguém poderá admirar isso, se souber como foi feito,
e
se estiver interessado em comida, o que não é o meu caso.
e
fui até minha mãe, mas antes que eu pudesse dizer
Veja,
mamãe, sem as mãos, ela disse:
Tenho
um presente para você, e insistiu em que eu experimentasse
As
luvas azuis, para ter certeza de que eram do tamanho certo.
"encontramos no poema Realizações de
Cynthia Macdonald o registro poético desta busca do reconhecimento do olhar
materno por parte de uma filha".
Às vezes, o
confuso narcisista teve pais que ofereciam amor, só que… o amor que ofereciam
era do tipo "errado". Não era amor pela criança por ela mesma, mas pela
criança-como-enfeite, uma flor que os enfeitava e colocava na lapela.
GERALMENTE, NARCISISTAS SÃO FILHOS DE NARCISISTAS.
Os pais
narcisistas usam e abusam inconscientemente dos filhos. Faça direito. Sejam
bons. Quero me orgulhar de você. Não me irrite. O trato tácito é o seguinte: se enterrar as partes que não gosto, então
posso amá-lo. A escolha tácita é a seguinte: perder você ou me perder.
É importante não
esquecer que, às vezes pais bastante bons não conseguem se entrosar com o
filho, e o prejuízo causado pode resultar de uma infeliz falta de combinação, e
não de indiferença, incompetência ou maldade. Mas, seja qual for a causa, a
ausência dessas experiências cruciais de imitação e idealização põe em perigo a
coesão do eu. Defendendo-se da ameaça contra esse eu, e tentando urgentemente
compensar a falha, nasce o narcisista
patológico.
Significa ser
capaz de renunciar à grandeza e funcionar com um eu de proporções humanas.
Significa que,
embora possamos, durante a vida, ser afligidos por dificuldades emocionais,
possuímos um eu confiável, um senso de identidade. O que chamamos de senso de
identidade é a certeza de que nosso eu mais profundo, mais forte e mais
verdadeiro persiste através do tempo, a despeito da mudança constante. É a
sensação de um eu verdadeiro mais profunda do que qualquer diferença, o eu para
o qual todos os nossos outros “eus” convergem... ou seja, as perdas que
enfrentamos quando nos vemos face a face com o fato do qual não podemos
fugir!!!
1) que nossa mãe
vai nos deixar, e que nós vamos deixá-las
2) que o amor de
nossa mãe jamais será só nosso;
3) que as dores
que nos machucam nem sempre desaparecem com um beijo;
4) que estamos no
mundo essencialmente por nossa conta;
5) que teremos
que aceitar – nos outros e em nós mesmos – um misto de amor e ódio, de bem e de
mal;
6) que, por mais
sábia, bela e encantadora que seja, nenhuma garota pode se casar com o pai
quando crescer;
7) que nossas
opções são limitadas pela anatomia e pela culpa;
8) que há falhas
em qualquer relacionamento humano;
9) que nosso
status neste planeta é implacavelmente efêmero;
10) e que somos
completamente incapazes de oferecer a nós mesmos ou aos que amamos qualquer
forma de proteção – proteção contra o perigo e contra a dor, contra as marcas
do tempo, contra a velhice, contra a morte, proteção contra nossas perdas necessárias!!
Perdas e o sentimento de Saudade
Saudade,
palavra paradoxal e de muitos significados. Encanta, desencanta e se manifesta
através de sentimentos como a tristeza, angústia, solidão e até mesmo a
alegria. Ela está presente em nosso dia-a-dia, nas lembranças do tempo passado,
das pessoas que amamos e dos lugares de onde viemos e por onde passamos. Ela é
poesia, música e canção, e está inserida nos momentos de dor e felicidade do
ser humano. Para uns, é uma palavra triste, para outros é apenas um sentimento
que faz parte do nosso processo de crescimento. A saudade traz dissabores, mas
resgata em nossa memória alegrias já esquecidas.
Para entender a saudade, é
preciso refletir sobre as várias perdas que sofremos ao longo da vida a começar
pelo próprio nascimento.
Estudos
mostram que as perdas na primeira infância nos tornam mais sensíveis e
vulneráveis às perdas que sofreremos mais tarde. "Assim ao longo da vida,
nossa resposta à perda de uma pessoa da família, a um divórcio, à perda de um
emprego, podem ser causas de depressão
grave - a resposta daquela criança desamparada, desesperançada e
zangada", ressalta a pesquisadora.
De
acordo com alguns filósofos, a morte é a perda mais aterradora, aquela que
acompanha o ser humano desde a infância, quando se descobre o inevitável. À
tristeza profunda pela morte, especialmente a repentina e prematura, somam-se
outros sentimentos como a culpa e o
inconformismo. Não há respostas fáceis para conviver com as perdas
provocadas pela morte, mas segundo os especialistas, não se deve ignorá-la,
sufocar as lágrimas, nem abafar o luto.
O
envelhecimento é também uma das mudanças mais difíceis para o ser humano.
Aceitar as perdas provocadas pela idade requer uma avaliação do passado, que
envolve os aspectos positivos e negativos de toda nossa vivência, e ao mesmo tempo,
há de se considerar os desejos e as possibilidades para o futuro. É nesta fase,
segundo a pesquisadora Judith Viorst, que a preocupação com a morte e a
destruição, estão mais presentes, e o homem tem a sensação mais profunda da
própria mortalidade e da morte iminente dos outros. A capacidade de mudar e
crescer na velhice está ligada a história de cada pessoa. Mas, a chegada da
terceira idade pode dar origem a novas forças e novas aptidões não acessíveis
nos outros estágios.
A Dor do Amor
A
dor da saudade, os encontros e desencontros da vida afetiva sempre estiveram
demonstrados nas canções e poemas do nosso cotidiano. As perdas são universais
e constantes, e sempre nos ensinam a alcançar a maturidade e o equilíbrio
psicológico. A
saudade decorrente de uma grande perda pode nos levar a desequilíbrios
emocionais irrecuperáveis. No amor, muitas pessoas se tornam totalmente
incapazes para estabelecer um vínculo afetivo por medo de amar e sofrer grandes
desilusões. Outros, com medo da solidão preferem manter relacionamentos opressivos.
O
amor é uma fonte de grandes prazeres, mas também de muitas dores em todas as
idades. Quando as coisas estão bem, as pessoas se sentem em estado de êxtase e
harmonia, mas quando o amor se encaminha
na direção da dor e do sofrimento, nos sentimos totalmente abandonados e
desamparados.
Segundo
alguns psicanalistas, o fim de um
casamento pode ser uma perda maior do que a morte de um dos cônjuges. O
sofrimento, a saudade, o desespero podem ter a mesma intensidade, bem como a sensação
de abandono.
É
preciso ser perseverante para superar não só as perdas por amor, como todas as
outras que ocorrem durante toda a nossa vida. As dores existirão tanto para os
que não as suportam como para os que as aceitam e as toleram. A vida é marcada por repetições e
continuidade, mas é também aberta a mudanças, e para crescer, deve-se
renunciar a muitos projetos, pois não se pode amar profundamente alguém ou
alguma coisa sem se tornar vulnerável às perdas.
"Nenhuma dor é tão mortal quanto a da luta para sermos nós mesmos." (Ievguêni Vinokurov)
Sobre a autora: Nascida e criada em New Jersey, Judith Viorst formou-se em História e, seis anos depois, graduou-se no Washington Psychoanalytic Institute. De lá pra cá, Viorst escreveu várias coleções de poemas para adultos, quatro livros de não-ficção, entre eles Controles Imperfeitos. Grande parte de suas obras foram publicadas em todo o mundo e vários de seus livros infantis tornaram-se filmes.
Sobre a autora: Nascida e criada em New Jersey, Judith Viorst formou-se em História e, seis anos depois, graduou-se no Washington Psychoanalytic Institute. De lá pra cá, Viorst escreveu várias coleções de poemas para adultos, quatro livros de não-ficção, entre eles Controles Imperfeitos. Grande parte de suas obras foram publicadas em todo o mundo e vários de seus livros infantis tornaram-se filmes.
Ficha técnica:
Livro:
Perdas Necessárias, Autora: Judith Viorst, Editora: Melhoramentos, Nº de
páginas: 336