Psicologia e Psicanálise
A Gota D'Água
- Desvendando o surto psicótico.
Surto
Psicótico
é um episódio de dissociação da estrutura psíquica do indivíduo, fazendo com
que este mostre comportamentos socialmente estranhos e diferentes, devido à
momentânea incapacidade de pensar racionalmente. Começar o tratamento nos
primeiros surtos evita sérias complicações e agravamento da psicose. Quanto
mais cedo começarem o tratamento melhor o prognóstico do paciente.
“O surto
psicótico ocorre, basicamente, quando uma (*) psique já fragilizada entra em
colapso, ou seja, em completo desequilíbrio” , explica o psicólogo Edílson
Pastore da Clínica Pinel.
Para os
psicólogos, o surto não é algo isolado; um conjunto certo de critérios
caracteriza uma crise psicótica. Delírios, alucinações, comportamento
desorganizado e discurso desorganizado são sintomas obrigatórios. Para
Pastore, devem estar presentes pelo menos dois
destes para classificar o estado como um surto psicótico.
O psicólogo
também apresenta uma diferenciação entre
delírios e alucinações, conceitos que são constantemente confundidos. “Delírios são alterações do pensamento que
se caracterizam por idéias que não condizem com a realidade objetiva”,
enquanto que “alucinações envolvem
sempre algum órgão senso-perceptivo, como a audição, a visão, o tato, o olfato
e a sinestesia (sensações internas). Elas não são invenções – a pessoa
realmente está vendo, ouvindo ou sentindo aquilo”. Ou seja, o primeiro
ocorre na mente e o segundo atinge os sentidos.
Do ponto de vista psiquiátrico, o surto psicóticos está relacionado a uma distorção
dos neurotransmissores, ou seja, das substâncias
químicas produzidas pelos neurônios e que são responsáveis pelo envio de
informações a outras células. “O
pensamento tem um curso e um conteúdo, quando o conteúdo do pensamento está
desagregado, ele perde conexão com a
realidade ou então ele distorce a realidade, ele passa a ser um sintoma de
surto psicótico”, explica a psiquiatra Clarissa Severino Gama do Hospital de
Clínicas de Porto Alegre.
A dopamina é
considerada um neurotransmissor chave da teoria neuroquímica da esquizofrenia e das psicoses em geral.
Além dela, há uma série de outros neurotransmissores envolvidos, porém os
mecanismos destes ainda não são profundamente conhecidos, estando em fase de
estudos, como o glutomato e a serotonina.
Subindo a
Serra (As Causas)
Os motivos que levam a um surto psicótico são
diversos e podem variar de pessoa para pessoa. O que é comum entre os surtos é
o fato de serem “a gota d'água”, de
acordo com o psicólogo Eduardo Xavier do Hospital Psiquiátrico São Pedro. A
crise se origina em pessoas que já
possuem uma certa fragilidade psicológica, ou seja, é algo que vai
crescendo. Muitas vezes começa de forma incipiente e vai se intensificando até
que finalmente leva a pessoa a surtar.
Psicoses como a esquizofrenia, abusos de drogas, crises de abstinência de substâncias
e alguns transtornos afetivos como a bipolaridade (antigo transtorno
maníaco-depressivo) são causas bastante comuns de surtos. Existem, porém circunstâncias pontuais que
desencadeiam a crise em pessoas as quais aparentemente não seriam um alvo
óbvio.
Fatos marcantes, como a morte de um ente querido, distúrbios de estresse pós-traumático e
mudanças de rotina abruptas podem levar uma pessoa a psicotizar. Alguns surtos decorrem de causas orgânicas. “Traumatismo crânio-encefálicos, doenças
como o lupus ou tumores cerebrais podem ser responsáveis por crises. Também
pacientes com demências como senilidade, Alzheimer e Parkinson podem
psicotizar, porque essas pessoas começam a ficar confusas, desorientadas, agitadas, não reconhecem mais a sua casa,
a sua família, e isso pode ocasionar uma desorganização mais grave”,
exemplifica Edílson Pastore.
Para a psiquiatra Clarissa Gama, a psicose tem um fundo neuroquímico bastante importante, embora o
ambiente, o estresse, a existência de casos de psicose na família, as doenças
que prejudiquem o funcionamento do cérebro são fatores que podem levar a uma crise.
No geral, os psiquiatras vêem o surto
quase sempre como parte de uma doença objetiva. Já os psicólogos, acreditam que haja uma doença de base, exceto no
caso de surtos induzidos pelo uso de drogas.
Os Carrinhos
Frágeis (Grupos de Risco)
O surto pode atingir qualquer pessoa, sem distinção
de idade, sexo e grupo social, basta que
se tenha uma estrutura psíquica predisposta a isso. Existem, entretanto,
grupos de risco, fases na vida em que há maiores chances de entrar em crise. O final da adolescência e o início da idade adulta são fases mais
propícias porque certas doenças mentais irrompem tipicamente nesta idade, como a esquizofrenia cujos sintomas se
manifestam (nos rapazes) entre os 15 e
20 anos. Nestas fases são típicas grandes mudanças na vida como ir morar
sozinho, mudar de cidade, servir no quartel, começar a trabalhar. Nestes casos,
se a pessoa é psicologicamente mais frágil, pode haver um surto psicótico.
O caso dos surtos em rapazes que vão servir no quartel é um exemplo recorrente entre os
entrevistados. Eduardo Xavier explica: “o
rapaz faz 18 anos e tem de entrar no quartel. O quartel é lugar de homem, lugar
de 'macho', toda aquela questão de mostrar virtudes e coragem, de ser um entre
tantos capaz de servir à pátria. São muitas significações que convocam a pessoa
de uma maneira muito forte”. Se o rapaz é uma pessoa mais frágil, a mudança
abrupta de rotina e de ambiente e, especialmente, o dia-a-dia- de um quartel,
podem fazê-lo psicotizar.
Pessoas com retardo
mental também podem surtar, de acordo com Pastore. “Elas tem pouco
desenvolvida a capacidade de abstração e simbolização, e podem não conseguir se relacionar com grupos sociais e interpretar
piadas e brincadeiras, o que os levam a se isolar e freqüentemente, entrar em
crise”. Crianças e jovens submetidos a
situações de muito estresse também são alvo de crises psicóticas.
Relação entre
o surto e as drogas
Estudos estão sendo realizados para descobrir qual
a relação das drogas com os surtos. Muitas pessoas não possuem nenhuma psicose,
mas ao utilizarem drogas e outras substâncias
psicoativas, iniciam uma crise psicótica induzida. As drogas desencadeiam
comumente crises psicóticas, são: crack,
cocaína e ácidos (incluindo o LSD). O álcool e a maconha têm menor relação
com a decorrência de surtos. No caso do
álcool, a crise só ocorre quando este é consumido em altas doses. A pessoa
toma um “porre” e entra em agitação psicomotora, fica desorganizada, agressiva.
O surto induzido pode ocorrer em pessoas que nunca
utilizaram a substância antes e estão experimentando-a pela primeira vez.
“Nesses casos, normalmente a pessoa precisa já ter uma propensão à doença”
lembra Edílson Pastore. A droga serve
como desencadeante para a perturbação e os sintomas duram enquanto a droga
estiver no organismo do indivíduo. Muitas vezes ela apenas inicia a
primeira crise. Depois, a pessoa passa a ter surtos mesmo sem a utilização da
droga. Eduardo Xavier destaca que as
drogas têm o mesmo poder de ser a “porta” que permite o desencadeamento de uma
crise assim como o Carnaval e a violência, “porque essas são situações que
convidam as pessoas a usarem parte de suas mentes que elas não usam
normalmente”.
Tratamento
“A primeira
preocupação é com a segurança do paciente, ou seja, deve-se ajudar a pessoa a se sentir segura.
Dizer 'olha, alguma coisa perturbou em ti, tem alguém contigo, tu está bem,
pode dormir'”, aconselha o psicólogo Eduardo Xavier, o qual também acredita
que, embora neste período de surto a pessoa possa falar muitas “asneiras”,
coisas que não condizem com a realidade, é importante ouvir, porque “o que emerge às vezes deste psiquismo
alterado são coisas sem sentido, mas que mesmo assim precisam ser faladas,
precisam ser ouvidas”.
A medicação é essencial para o controle da crise.
Os remédios antipsicóticos agem nas vias da dopamina. A risperidona, a
clozapina, a olanzapina são os antipsicóticos mais utilizados. O haloperidol e
o haldol, embora ainda sejam usados, estão perdendo espaço para os mais
modernos porque têm alguns efeitos
colaterais mais significativos como enrijecimento
muscular, impregnação (enrijecimento brusco de algum membro) e salivação.
“Os medicamentos modernos provocam
sonolência e deixam a pessoa mais prostrada, mas são efeitos que não se
comparam ao dos antipsicóticos mais antigos”, justifica Edílson Pastore. À
medida que os sintomas vão desaparecendo, a medicação vai sendo retirada. No
caso da crise psicótica ter sido induzida, não é necessária a medicação, bastando afastar a pessoa das drogas para
que ela se reabilite. Hoje em dia, as internações são breves, somente
enquanto durar a crise, cerca de dez ou quinze dias.
Após este primeiro momento, trabalhos em grupo e reuniões são acessórios para o tratamento,
“o problema é que quando a pessoa está muito frágil, ela não agüenta coisas muito
diferentes das dela”, afirma Eduardo Xavier, por isso nem sempre a pessoa
surtada pode participar de grupos de apoio. “O mais importante são os remédios, pois o surto constituí também uma
alteração bioquímica grave”, lembra o psicólogo Edílson Pastore.
As sessões
de terapia são importantes para identificar se a crise está iniciando uma
doença mental, como no caso da uma
esquizofrenia ou de um transtorno afetivo (bipolar, obsessivo-compulsivo, etc).
Se for confirmada a hipótese, a pessoa precisará realizar o tratamento a vida
inteira, pois nestes casos não há cura.
Se o surto tiver um causa específica, um evento, um
acontecimento e se esta causa se extinguir, pode ser que a pessoa se recupere
sozinha (por exemplo: um homem que entra
em crise após a morte do filho). “Muitas vezes tudo que a pessoa precisa é de tempo para se recuperar da perturbação”,
afirma Pastore, que também acredita na cura completa do surto, mas destaca que
ela depende de fatores como a idade, as condições clínicas, a pessoa em si e o
que causou o surto.
(*)Psique era o conceito grego para
o self ("si-mesmo"), abrangendo as ideias modernas de alma, ego e
mente.
Etimologia: Do grego psychein
("soprar"), é uma palavra ambígua que significava originalmente
"alento" e posteriormente, "sopro". Dado que o alento é uma
das características da vida, a expressão "psique" era utilizada como
um sinônimo de vida e por fim, como sinônimo de alma, considerada o princípio
da vida. A psique seria então a "alma das sombras" por oposição à
"alma do corpo".