Criança com as
mãos na boca, parecendo chateada, Crianças com dificuldade de sociabilização,
linguagem rebuscada para a idade, atos motores repetitivos (tiques) e
interesses muito intensos e limitados apenas por um ou poucos assuntos podem
ser portadoras da síndrome de Asperger, transtorno
do desenvolvimento que afeta principalmente indivíduos do sexo masculino.
Suas causas são desconhecidas, mas, como se trata de um distúrbio congênito, há estudos em andamento que procuram
estabelecer a relação com alguma desordem genética.
O primeiro
trabalho sobre a síndrome foi feito pelo psiquiatra e pediatra austríaco Hans Asperger, mas permaneceu
praticamente desconhecido. O reconhecimento internacional ocorreu somente em
1994, quando foi incluída pela primeira vez no DSM (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders), o
manual de diagnóstico e estatísticas de transtornos mentais, organizado pela
Associação Americana de Psiquiatria. Por se tratar de uma patologia
recentemente descrita, não existem dados
confiáveis sobre a incidência.
A
partir de 2013, a síndrome de Asperger deixa de ter essa denominação e passa a
ser classificada no DSM como uma forma branda de
autismo, denominada como Transtorno do Espectro
Autista (TEA) – uma recomendação que deverá ser mundialmente
adotada. Diferentemente do autismo clássico, porém, quem tem Asperger não
apresenta comprometimento intelectual e retardo cognitivo. Por isso os
primeiros sinais e sintomas do distúrbio costumam ser ignorados pelos pais, que
os atribuem a características da personalidade da criança.
"Muitos
portadores da síndrome possuem, inclusive, QI acima dos índices normais. E o
fato de terem habilidade verbal muito desenvolvida, com um vocabulário amplo,
diversificado e rebuscado, reforça nos pais a ideia de que seus filhos são
superdotados", diz Walkiria Boschetti, neuropsicóloga do Einstein. O foco
exagerado sobre um assunto específico – como automóveis, aviões ou robôs, por
exemplo – é outro sintoma característico da síndrome interpretado de forma
inadequada pelos pais e familiares, que acabam incentivando a restrição de
interesses dessas crianças, oferecendo apenas presentes relacionados ao tema.
Diagnóstico
Os sinais e
sintomas da síndrome de Asperger podem aparecer nos primeiros anos de vida da
criança, mas raramente são valorizados pelos pais como algo negativo,
especialmente se as manifestações forem leves. A grande maioria dos
diagnósticos da síndrome de Asperger é feita a partir da fase escolar, quando a
dificuldade de socialização, considerada a característica mais significativa do
distúrbio, manifesta-se com maior intensidade, juntamente com o desinteresse
por tudo que não se relacione com o hiperfoco de atenção. "O que efetivamente chama a atenção dos pais
são os sintomas associados ao isolamento social, inadequação de comportamentos
ou manifestações de ansiedade, depressão ou irritabilidade", diz
Sandra Lie Ribeiro do Valle, neuropsicóloga do hospital.
Usualmente, os
primeiros relatos sobre os problemas observados são feitos ao pediatra, que
poderá encaminhar a criança aos médicos especialistas para uma avaliação mais
profunda e detalhada. Não existem exames
laboratoriais ou de imagem destinados à confirmação do diagnóstico.
"Hoje, o principal instrumento para essa finalidade são os testes
aplicados por neuropsicólogos, que por meio de tarefas propostas à criança
observam e avaliam aspectos cognitivos e comportamentais, como memória, atenção e habilidades sociais",
diz o Dr. Fabio Sato, psiquiatra da infância e adolescência da Clínica de
Especialidades Pediátricas do Einstein, instituição que aplica um extenso e
detalhado protocolo para diagnóstico e tratamento dessa patologia. Segundo ele,
o Brasil ainda carece de uma
padronização na abordagem diagnóstica dessa patologia, uma vez que ferramentas
como a AD (questionário utilizado em entrevistas com os pais) e a ADOS
(questionário para entrevistas com as crianças) ainda não foram validadas aqui,
embora o uso já esteja consagrado nos Estados Unidos e na Europa.
Quem tem síndrome
de Asperger tende a apresentar alterações nos testes de avaliação de
reconhecimento de emoções e nos que analisam a capacidade de inferir o que os
outros estão pensando. "São pessoas que têm extrema dificuldade em
entender o que pensam e sentem aqueles que os cercam, a menos que essas emoções
sejam explicitamente demonstradas e explicadas a eles. Também são inflexíveis, por isso prendem-se a
regras e não conseguem agir com flexibilidade, conforme cada situação",
explica Sandra Lie Ribeiro do Valle.
Tratamento
multidisciplinar
São envolvidos
médicos, neuropsicólogos, psicopedagogos e fonoaudiólogos, uma vez que os
indivíduos possuem alterações na fala (erros de prosódia, por exemplo, quando o
indivíduo faz a transposição do acento tônico de uma sílaba para outra).
"Basicamente, a terapia se baseia em transmitir as habilidades e recursos
para as manifestações características, em especial a dificuldade no convívio
social. Ele deve ser feita a longo prazo, já que se trata de um distúrbio crônico", explica
Walkiria Boschetti. Medicamentos são utilizados apenas para tratar sintomas
decorrentes dessas manifestações, como ansiedade, depressão e irritabilidade.
Quem tem Asperger
e chega à vida adulta sem diagnóstico ou tratamento adequados pode enfrentar sérias dificuldades de relacionamento na
vida pessoal, escolar e profissional. "Além disso, trata-se de um
risco para o desenvolvimento de outros problemas, como o transtorno
bipolar", adverte o Dr. Fabio Sato. Portanto, quanto mais precoces e precisos forem o diagnóstico e o tratamento,
maiores serão as chances de a criança com Asperger desenvolver comportamentos
mais saudáveis, tornando-se mais sociáveis, flexíveis e independentes.
Como
lidar?
A criança com
Síndrome de Asperger pode apresentar talentos específicos. “De uma maneira
geral, os pais costumam incentivar uma aptidão que reconhecem nos filhos, o que
chamamos de ilhas de habilidades. No caso da Síndrome de Asperger, esta atitude
acaba intensificando o interesse restrito do paciente, piorando a clausura
comportamental do indivíduo, tornando-o menos flexível a novos temas”, explica
Iara Brandão Pereira, neurologista infantil.
Pensando em
auxiliar no desenvolvimento das capacidades múltiplas da criança, a médica
listou alguns itens importantes para
quem convive com uma pessoa que apresenta este Transtorno do Espectro Autista
(TEA).
- É
importante buscar uma interação muito boa entre a escola, a família e o profissional
que acompanha o paciente no sentido de desenvolver a reciprocidade social
do indivíduo.
- Diversificar
seus focos de interesse para que o paciente dê importância para outros
assuntos e desenvolva novas habilidades, diminuindo assim, comportamentos
repetitivos e restritivos.
- Estimular
o ‘falar olhando’, desenvolver a cultura do olhar direcionado, com
intencionalidade comunicativa.
- Estimular
a criança, por meio de treinos, a reconhecer e compartilhar emoções e
expressões faciais, assim como buscar Treino de Habilidades Sociais (THS),
como possibilidade de melhoria no seu prognóstico social.
- Dialogar
sempre! Essa é a maneira mais preciosa de desenvolver a inteligência de
qualquer criança, com ou sem diagnóstico de TEA.
- Não
criticar o interesse restrito da criança, apresentar outras opções e
compartilhar estas ofertas com o filho. Utilize o interesse preferencial
da criança como porta de entrada para a interação com ele.
- Ainda
de acordo com a Dra. Iara Pereira, o paciente com Síndrome de Asperger é
habitualmente mal interpretado pelos seus pares, não sendo raros os
frequentes desentendimentos nos relacionamentos interpessoais, levando ao
isolamento social ou quadros depressivos.
“Agressividade, crises de birra, fobias e outras perturbações são manifestações inespecíficas e reacionais que podem estar presentes nesses pacientes, daí a importância do diagnóstico precoce a fim de minimizar disfunções adaptativas significativas”, afirma a neurologista infantil.
O enigmático
mundo autista
Muitas
vezes tachados de estranhos ou deslocados, os autistas estão presentes com
frequência no cinema e na televisão devido às suas características peculiares,
que estão sendo pouco a pouco compreendidas pela ciência e pela sociedade. Um
exemplo recente de sucesso é o personagem Sheldon
Cooper, interpretado pelo ator Jim
Parsons na série “The Big Bang
Theory”. Apesar de dotado de enorme inteligência, o físico da TV tem pouca
habilidade social, não compreende sarcasmo ou metáfora, beirando à inocência. É
adepto da rotina, não tem muita empatia para com seus amigos ou namorada e lhe
falta também uma dose de humildade. Um tanto exageradas no personagem, as características são típicas da síndrome
de Asperger.
O
mesmo diagnóstico poderia ser aplicado ao Doutor
Spock, da antológica série “Jornada
nas estrelas”, de quem, por sinal, Sheldon é fã. Os personagens, portanto,
quebram o estereótipo de que o espectro autista deve estar vinculado com algum
déficit intelectual e a movimentos repetitivos, como ocorre nos casos de
autismo clássico ou grave.
Um
famoso exemplo deste quadro é o da Engenheira
Temple Grandin, hoje especialista em autismo, mas que na infância não
falava, se balançava e gritava, e não olhava nos olhos. Foi após o contato com
animais numa fazenda que ela conseguiu vencer algumas de suas limitações.
O
premiado longa “Temple Grandin”, produção
de 2010 e estrelada por Claire Danes,
mostra sua trajetória e uma curiosa invenção: a máquina do abraço, criada após ela
observar a técnica de vacinação de vacas, que eram pressionadas por barras de
ferro para serem acalmadas.
No
filme “Rain Main” (1988), Dustin Hoffman interpreta Kim Peek, portador da síndrome de Savant, que morreu em 2009,
mundialmente famoso por sua memória excepcional. Capaz de memorizar 12 mil
livros, ele dependia dos outros para ações simples, como se vestir.
A animação “Mary e Max – Uma Amizade
Diferente” mostra os problemas dos “aspies”. Na ficção, Mary, de 8 anos,
uma menina gordinha e solitária, que mora na Austrália, torna-se amiga de Max,
um homem de 44 anos, que tem síndrome de Asperger e vive em Nova York. Ambos
têm dificuldade de fazer amigos e passam a trocar correspondências onde
compartilham alegrias e decepções. Na animação, Max é um homem de 44 anos que
tem síndrome de Asperger (foto).
Especialistas
dizem que metade dos portadores desta síndrome é autista e os demais têm deficiência
de desenvolvimento e lesões
neurológicas.