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domingo, 18 de dezembro de 2011

Sexualidade - Disfunções Sexuais femininas e masculinas


Classificação das disfunções sexuais - critérios diagnósticos para os transtornos da sexualidade

A partir da associação entre os modelos de Masters e Johnson (1984) e de Kaplan (1977), estabeleceram-se critérios diagnósticos para os transtornos da sexualidade, os quais constam do Manual diagnóstico e estatístico dos transtornos mentais (2002), que definiu a resposta sexual saudável como um conjunto de quatro etapas sucessivas: desejo, excitação, orgasmo e resolução.

As disfunções sexuais, em contrapartida, caracterizam-se por falta, excesso, desconforto e/ou dor na expressão e no desenvolvimento desse ciclo, o que afeta uma ou mais das fases deste. Quanto mais precocemente incidir o comprometimento desse ciclo, mais prejuízo acarretará à resposta sexual e mais complexos serão, o quadro clínico, e respectivos prognóstico e tratamento (Abdo, 2004b). A disfunção sexual, portanto, implica alguma alteração, em uma ou mais das fases do ciclo de resposta sexual, ou dor associada ao ato, o que se manifesta de forma persistente ou recorrente.

A Associação Psiquiátrica Americana (2002) assim classifica as disfunções sexuais:

  • Transtornos do desejo sexual
Transtorno do desejo sexual hipoativo: deficiência ou ausência de fantasias sexuais e desejo de ter atividade sexual.
Transtorno de aversão sexual: aversão e esquiva ativa do contato sexual genital com um parceiro sexual.


  • Transtornos da excitação sexual
Transtorno da excitação sexual feminina: incapacidade persistente ou recorrente de adquirir ou manter uma resposta de excitação sexual adequada de lubrificação-turgescência até a consumação da atividade sexual.
Transtorno erétil masculino: incapacidade persistente ou recorrente de obter ou manter ereção adequada até a conclusão da atividade sexual.


  • Transtornos do orgasmo
Transtorno do orgasmo feminino: atraso ou ausência persistente ou recorrente de orgasmo, após uma fase normal de excitação sexual.
Transtorno do orgasmo masculino: atraso ou ausência persistente ou recorrente de orgasmo, após uma fase normal de excitação sexual.
Ejaculação precoce: início persistente ou recorrente de orgasmo e ejaculação com estimulação mínima antes, durante ou logo após a penetração e antes que o indivíduo o deseje.


  • Transtornos sexuais dolorosos
Dispareunia (feminina e masculina): dor genital associada com intercurso sexual. Embora a dor seja experimentada com maior frequência durante o coito, também pode ocorrer antes ou após o intercurso.
Vaginismo: contração involuntária, recorrente ou persistente, dos músculos do períneo adjacentes ao terço inferior da vagina, quando é tentada a penetração vaginal com pênis, dedo, tampão ou espéculo.
Disfunção sexual devida a uma condição médica geral: presença de disfunção sexual clinicamente significativa, considerada exclusivamente decorrente dos efeitos fisiológicos diretos de uma condição médica geral.
Disfunção sexual induzida por substância: disfunção sexual clinicamente significativa que tem como resultado um acentuado sofrimento ou dificuldade interpessoal, plenamente explicada pelos efeitos fisiológicos diretos de uma substância (droga de abuso, medicamento ou exposição à toxina).
Disfunção sexual sem outra especificação: disfunções sexuais que não satisfazem os critérios para qualquer disfunção sexual específica.

Outra classificação foi proposta pela Organização Mundial da Saúde (1993) para as disfunções sexuais de base psiquiátrica. Dos capítulos “Síndromes comportamentais associadas a perturbações fisiológicas e fatores físicos” e “Transtornos de personalidade e de comportamento em adultos”, da Classificação Internacional de Doenças (CID-10), constam (OMS, 1993):
  • Disfunção sexual não causada por transtorno ou doença orgânica.
  • Ausência ou perda do desejo sexual “Frigidez” - Transtorno hipoativo do desejo sexual.
  • Aversão sexual e ausência de prazer sexual Anedonia (sexual).
  • Falha de resposta genital (disfunção de ereção, no homem).
  • Disfunção orgásmica - Anorgasmia psicogênica Inibição do orgasmo (na mulher, no homem).
  • Ejaculação precoce. 
  • Vaginismo não orgânico - Vaginismo psicogênico.
  • Dispareunia não orgânica - Dispareunia psicogênica.
  • Apetite sexual excessivo - Ninfomania Satiríase.
  • Outras disfunções sexuais não devidas a transtorno ou à doença orgânica - Dismenorréia psicogênica.
  • Disfunção sexual não devida a transtorno ou à doença orgânica, não especificada.
Aspectos diagnósticos das disfunções sexuais femininas
À medida que o conhecimento da sexualidade humana avança, melhor se identificam as diferenças entre as características especificamente femininas e as masculinas da resposta aos estímulos sexuais. Essas diferenças são atribuídas a fatores de ordem biopsicossocial, em especial: hormônios sexuais (estrógenos versus andrógenos), educação sexual (repressora versus permissiva), ambiente (controlador versus estimulante) (Abdo, 2005).

Em decorrência desse contexto, a mulher tende à sensualidade e à sedução, enquanto o homem busca a conquista e a posse no exercício da sexualidade. Esse quadro é dinâmico e pode se modificar conforme se associam os fatores envolvidos, próprios da vida de cada indivíduo. Tais fatores são também os responsáveis pelo desenvolvimento e pela manutenção das disfunções sexuais, sejam elas masculinas ou femininas. 


Também se associam e se superpõem num mesmo caso de disfunção. Ou seja, um quadro disfuncional pode eclodir por causa orgânica, mas será agravado, em boa parte das vezes, por repercussão emocional. Caso a origem seja psíquica, as doenças próprias da idade acentuarão os sintomas da dificuldade sexual, respondendo por sua cronificação. Especialmente no caso das disfunções sexuais femininas, a tentativa de estabelecimento dos fatores etiológicos resulta na evidência da sua multiplicidade.

- O diagnóstico das disfunções sexuais femininas é eminentemente clínico
A queixa da paciente, aliada à presença de alguns elementos de anamnese, é fundamental. Deve-se considerar que um mínimo de seis meses de sintomatologia é critério indispensável para a caracterização da disfunção. Além disso, devem-se investigar as condições do(a) parceiro(a), para se afastar possíveis equívocos de interpretação ante o quadro referido pela paciente. Assim, um homem com ejaculação precoce pode conduzir sua parceira a se considerar anorgásmica, quando, de fato, a precocidade dele a impede de concluir o ciclo de resposta sexual com êxito. Estimulação inadequada em foco, intensidade ou duração exclui o diagnóstico de disfunção de excitação ou orgasmo (APA, 2002).

Outra relevante consideração para diagnóstico, tratamento e prognóstico é a distinção entre disfunção primária (ao longo da vida) e secundária (adquirida), bem como entre disfunção generalizada (presente com qualquer parceria) e situacional (presente em determinadas circunstâncias e/ou parcerias). Devem-se considerar, ainda, a idade da mulher e a sua experiência sexual. Mulheres jovens e/ou principiantes costumam apresentar dificuldade para relaxamento/lubrificação, o que é bastante compreensível e não significa disfunção, enquanto não houver experiência sexual suficiente.

Por outro lado, as pesquisas e a observação clínica trouxeram à tona a constatação de que o modelo de ciclo de resposta sexual atualmente adotado não responde ao que, de fato, ocorre à significativa parcela das mulheres. Há aquelas que não têm desejo espontâneo ou que, ao tê-lo, nem sempre dão seqüência ao ato sexual; algumas iniciam a atividade para acompanhar seus parceiros, não motivadas por estímulos próprios (Leiblum, 2000).

A identificação de sensações genitais prazerosas acaba por desencadear nelas o interesse por sexo, confirmando que a excitação pode se antepor ao desejo.
Uma nova proposta para o ciclo feminino de resposta sexual foi apresentada por Basson (2001), enfatizando o valor da intimidade como motivação feminina para o sexo. Desta feita, entende-se que muitas mulheres iniciam o ato sexual sem suficiente entusiasmo e interesse: na verdade, desejam aproximação física e carinho, antes que a sensação erótica as envolva.


Com base neste argumento, Basson et al. (2004) propõem um modelo circular para o ciclo de resposta sexual da mulher, em que a ausência de desejo sexual espontâneo (no início do ciclo) não significa disfunção sexual, o que exclui muitas mulheres da categoria de disfuncionais. Esse modelo pode ser didaticamente dividido em cinco fases:

1. Início da atividade sexual, por motivo não necessariamente sexual, com ou sem consciência do desejo.
2. Excitação subjetiva com respectiva resposta física, desencadeadas pela receptividade ao estímulo erótico, em contexto adequado.
3. Sensação de excitação subjetiva, desencadeando a consciência do desejo.
4. Aumento gradativo da excitação e do desejo, atingindo ou não alívio orgástico.
5. Satisfação física e emocional, resultando em receptividade para futuros atos.

Saliente-se ainda que não há diagnóstico de disfunção sexual caso esta seja mais bem explicada por outro transtorno (exemplo: se a redução do desejo sexual ocorrer apenas no contexto de um episódio depressivo). Por outro lado, se a dificuldade sexual anteceder o quadro psiquiátrico ou for um foco de atenção independente, faz-se o diagnóstico adicional de disfunção sexual.

Uma dificuldade sexual (por exemplo, transtorno da excitação sexual) pode gerar outra (como transtorno do desejo sexual hipoativo), devendo, neste caso, ser diagnosticados especificamente todos os transtornos envolvidos. A coexistência de disfunção sexual e transtorno de personalidade resulta em dois diagnósticos distintos, da mesma forma que a coexistência da disfunção sexual com alguma outra condição médica geral (APA, 2002).

Dada a multiplicidade de fatores envolvidos, recomenda-se avaliação psicossocial, de preferência por equipe multidisciplinar, principalmente naqueles casos em que a disfunção ocorre desde o início da vida sexual ou sofre influência de condições psicológicas e relacionais, tais como: condições de vida estressantes, mudanças na parceria, conflitos no vínculo conjugal e disfunção sexual do parceiro.

Aspectos terapêuticos das disfunções sexuais femininas
A simples orientação dirimindo mitos e tabus, bem como legitimando o prazer sexual, pode resolver uma parcela das dificuldades sexuais, em especial de mulheres mais jovens e daquelas que ainda não tiveram repercussão da sintomatologia disfuncional na vida como um todo e/ou sobre o desempenho sexual do parceiro.


O médico, nesses casos, desempenha papel fundamental, orientando, esclarecendo e prevenindo a cronificação dos sintomas. Por outro lado, depressão (prevalente no sexo feminino), comorbidades e tratamento antidepressivo são três fatores que conduzem e agravam a disfunção sexual, especialmente o desejo hipoativo. Diante dessa situação, boa parte das pacientes com depressão abandona o tratamento antidepressivo, diminuindo suas chances de recuperação e cronificando o curso da doença e da disfunção sexual que a acompanha (Abdo, 2004a).

Cabe ao médico avaliar o perfil da paciente, para prescrever a medicação antidepressiva que mais se adapte a cada caso e que mais oportunidade ofereça para a adesão ao tratamento. Para alívio dos sintomas climatéricos e pós-menopáusicos, têm sido utilizados estrógenos em larga escala. Possuindo efeito sobre o trofismo vaginal, aliviam os quadros de dispareunia, secundários à atrofia do epitélio da vagina, visto que restauram esse epitélio, bem como o pH e o fluxo sangüíneo vaginais (Fernandes, 2005).O seu efeito sobre o desejo é, pois, indireto.


Entretanto, quando a falta de desejo não é secundária à dor ou ao desconforto durante o ato, o desinteresse sexual persiste, apesar da terapêutica estrogênica. A testosterona responde pela manutenção de interesse e motivação sexuais (Dennerstein et al., 1997; Leiblum et al., 1983; Davis, 2000). Pode restaurar o desejo e a excitação, bem como favorecer as fantasias sexuais das mulheres que não respondem ao estrógeno isolado (Sherwin e Gelfand, 1987). Pode-se ponderar a indicação do tratamento androgênico para mulheres na pós-menopausa, sob terapêutica estrogênica, nas quais persistam os sintomas de falta de desejo, desde que não haja outro problema médico ou psicológico que explique o quadro.

Mulheres com comprometimento psicológico devem ser indicadas para intervenção psicoterapêutica, em especial aquelas com história de abuso e violência sexual. Comprometimento da auto-imagem e do vínculo conjugal, fantasias impeditivas de manifestação mais livre da própria sexualidade e ansiedade excessiva constituem outras indicações de atendimento psicoterapêutico.



Uma condição que vem sendo associada a casos de inibição do desejo incide em mulheres desvitalizadas, tanto em relação à sua função sexual como à busca do prazer na vida, condição muitas vezes relacionada à dificuldade em lidar com sentimentos de raiva e hostilidade em relação ao parceiro. Essas pacientes também requerem acompanhamento psicoterápico.

Carmita Helena Najjar Abdo - Psiquiatra, professora livre-docente do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Fundadora e Coordenadora do Projeto Sexualidade (ProSex) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da (IPq-HC-FMUSP).
Heloisa Junqueira Fleury - Psicóloga, pós-graduanda em ciências pela FMUSP. Supervisora em  psicoterapia do ProSex do IPq- HC-FMUSP.

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